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" assumam com segurança e convicção o controle de suas embarcações... e naveguem, mas naveguem sempre com o coração" - Thiago R. S. de Moraes


Discurso 

Colação de grau

Medicina 2012.1

Thiago Roberto Sarmento de Moraes



Magnífico reitor professor doutor Eurico Barros Lobo Filho, em nome de quem cumprimento os demais membros da mesa.

Estimado paraninfo da turma Prof. Audenis Lima de Aguiar Peixoto através do qual cumprimento os demais professores.

Senhoras e senhores, autoridades presentes.

Queridos colegas de turma.




Contam os historiadores que nos idos de 1500 ao chegarem nas terras que futuramente ganhariam o nome de Brasil, os portugueses passaram algumas horas ainda em suas embarcações, antes de pisarem em terra, talvez com medo do desconhecido ou simplesmente estudando o melhor terreno para pôr os pés em segurança, ou quem sabe as duas hipóteses. Do outro lado os índios notaram que havia algo de diferente no mar, mas não enxergavam nada. O Pajé passou horas estudando o movimento das ondas que por algum motivo encontrava-se anômalo, estranho. Mas ainda assim não conseguia enxergar Caravela alguma. Afinal de contas os índios nunca haviam visto embarcações como aquelas. Como reconhecer algo que nunca foi visto antes? Após longas horas de estudo o Pajé finalmente conseguiu avistar contornos, os contornos foram ganhando formas mais bem definidas, até que finalmente ele conseguiu perceber a realidade e visualizar ali, bem à sua frente, aquelas imensas embarcações. E assim o pajé ensinou a tribo a enxergar aquela nova realidade; ensinou a cada um a, também, enxergar as embarcações. E foi exatamente assim que eu me senti ao entrar na faculdade. 

Por esse esforço de pajé e a generosidade de nos passar aquilo que sabem, somos profundamente agradecidos aos nossos queridos mestres, que com cuidado e dedicação nos ajudaram a dar o nosso primeiro passo: enxergar as embarcações. 

Nos primeiros anos de curso tínhamos olhos arregalados, a boca seca, o coração batendo na garganta e as mãos frias. Era assustador demais todo aquele novo mundo paradoxal no qual as moléculas eram micro enquanto nosso conhecimento havia de ser macro. Somos a geração da tutoria, aprendemos desde cedo que deveríamos encarar o ser humano como um todo e não um punhado de células que se aglomeram constituindo tecidos à parte. O ser humano é holístico, e sua essência vai além do corpo, vai além da mente. Passamos por tempestades antes mesmo de aprendermos a navegar. Criamos expectativas, nos frustramos. Passamos horas a fio debruçados em livros, em peças anatômicas, em lâminas histológicas. Aprendemos que muito tempo pode ser pouco, como quando precisávamos dar conta de toda a matéria; e que pouco tempo pode ser muito, como quando podíamos sair para desfrutar e brincar. Sofremos com números aos quais insistíamos em chamar de notas. 

Tempestade e ímpeto. Sentimos a força de um vento gélido, ríspido que abruptamente assolou nossa turma levando consigo uma grande amiga. Verônica Ribeiro Araújo se foi, sem precisar dizer adeus e fez daquele céu escuro de dezembro o mais estrelado de todos. A você Verônica, nossa saudade e nossa reverência, seu sonho se transformou e se incorpora à realização dos sonhos de cada um de nós nessa noite. Dedicamos à você, também, essa conquista. Enfrentamos a escuridão típica da tempestade, mas não sem desfrutarmos os clarões dos raios que atravessaram nosso céu iluminando caminhos, soluções e saídas. E por serem vocês, pais, essas luzes energizadas e energizantes, agradecemo-lhes com muito carinho. Pais, vocês nos deram coragem, clareza e serenidade para continuarmos nossa jornada.

Com o passar do tempo, naturalmente, nossa turma foi aprendendo que para construir embarcações fortes e vistosas, é preciso não somente de esforço, de dedicação, mas também de descanso e revitalização. Como promover saúde aos outros sem antes promover saúde a si mesmo? Houve muitas MED festas, indoor e principalmente outdoor. Fizemos de guaxuma a nossa 3ª casa, já que a 2ª era o HU, nos despimos de pudor e gritamos a liberdade em Maragogi, descobrimos in situ como se chama quem nasce em Piaçabuçu – e não é aquele nome que eu pensava né kelly? - Viajamos em grupo, estivemos em festas... quer dizer, congreeeessos nos mais distintos e distantes estados do país, andamos nas dunas e ruas de Natal, curtimos os shows de nossas vidas no Rock in Rio. Ensinamos o Bangabar a dançar funk, aliás Funk é o talento artístico nato da nossa turma. Toda festa que se preze termina em funk. Beleza pura.

Mais à frente, já tínhamos a lixa, a serra e a madeira à disposição, aliado a todo conhecimento teórico dos primeiros 4 anos, era chegada a hora de construirmos nossas próprias embarcações: iniciávamos o internato. Ao longo dos estágios, quando começamos de fato a vivenciar a saúde em sociedade, nos deparamos com uma realidade totalmente diferente da nossa, da qual tínhamos vivido todos os anos anteriores à faculdade. Foi difícil enxergar tanta pobreza, foi difícil enxergar tanta falta de estrutura, de condições de trabalho, foi difícil enxergar tanta carência. A sociedade em que pretendemos praticar saúde, meus queridos amigos, é uma sociedade carente. Carente de saúde, carente de segurança, carente de afeto, carente de educação. Nesses anos de faculdade de medicina, tivemos atividades práticas diversas e enriquecedoras em hospitais de grande e médio porte, em postos de PSF da capital e no estágio rural e pudemos perceber, em todos esses, o poder devastador daquela que é a pior das doenças e além disso a mais prevalente: a falta de educação. Falta educação em todos os sentidos. Como tratar quem não tem educação nem mesmo para ouvir? Como fazer com quem não sabe ler compreenda qual dos vários medicamentos deve ser tomado de dia e qual deve ser tomado de noite? Nos deparamos com gente que se atrapalha até mesmo para diferenciar o desenho do sol e da lua. Nos deparamos com gente que pendura preservativo, a coloquial camisinha, no varal para secar e reutilizar depois. Nos deparamos com gente que nunca ouviu falar em camisinha. Os desafios da nossa profissão são muitos e de ordens tão diversas que nos fazem questionar: qual é o verdadeiro papel do médico? Como respondemos agora àquela primeira pergunta do primeiro dia de aula: “e ai, você escolheu medicina por que?” Para salvar vidas? Para curar as pessoas? O que é o curar? Como diria a nossa conterrânea psiquiatra Nise da Silveira: “gente curada demais é gente chata”. 

Perdoem-se, meu amigos! Vocês vão falhar. A falha na nossa profissão, apesar de não ser aceita, é natural e muitas vezes inevitável. A medicina é praticada por médicos, médicos são seres humanos, seres humanos erram, médicos erram. Perdoem-se, e não se acomodem. Talvez aquilo que os nossos pacientes procurem seja algo a mais do que bons medicamentos receitados por bons médicos. Talvez eles procurem também por seres humanos, assim como eles, capazes de escutar, orientar, de confortar, e mais, seres que também saibam dizer “eu não sei”, a onisciência e onipotência não cabem aos humanos. Ser onipotente é ser burro! Por isso, usemos com carinho a nossa palavra. A palavra do médico tem poder hipnótico. Os conselhos e orientações médicas, diante de um rapport bem construído com o paciente, fazem um bem maior do que a própria ação química do medicamento por si só seria capaz. Façamos das palavras, meus amigos, as velas das nossas embarcações... deixemos as velas aos ventos. 

Meus prezados amigos de turma, é chegado o momento em que sentimos a necessidade de responder a novas perguntas. Agora, já temos nossas embarcações construídas, elas esperam por nós ancoradas no cais, já sabemos como devemos navegar. Mas, para onde ir? E por onde ir? Lembro-me das palavras de Don Juan Matus, um xamã de uma tribo mexicana, que fala muito sabiamente sobre caminhos, ele diz que “tudo é um entre um milhão de caminhos. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve seguí-lo, não deve permanecer nele, sob hipótese alguma. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Olhe bem para cada caminho e pergunte-se: esse caminho tem coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. 

Um torna a viagem alegre e enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer a sua vida. Um o torna forte, o outro o enfraquece.” 

Gostaria, meus amigos, que cada um de vocês agora imaginasse que aqui em cima, existem 39 embarcações, uma feita para cada um de vocês, cada uma feita por cada um de vocês, de vocês para vocês. Ao subirem aqui acompanhados de seus entes queridos, subam também em suas embarcações, observem com carinho cada detalhe de tudo que construíram e parabenizem-se! Recebam os canudos, neles constam as suas cartas náuticas, assumam com segurança e convicção o controle de suas embarcações... e naveguem, mas naveguem sempre com o coração. Sucesso é algo que já está ai dentro de cada um de vocês, agora é chegada a hora de desfrutá-lo. Parabéns médicos e médicas, nós conseguimos! 

Muito obrigado.


Blog do Thiago Moraes - http://sanidadeinsana.blogspot.com.br/

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2 Comentários
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  1. Sem sombra de dúvidas é uma fala muito interessante. A alegoria, comparação entre a chegada dos portugueses e a situação vivida pelo orador e compnheiros foi bem colocada, parabéns. Quem sabe não servirá de inspiração para que algum dia possamos fazer uso deste, kkkkkkk!

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  2. muito interessante...

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