A história de repressão aos cultos afro-brasileiros não é restrita a casos isolados no Brasil, acontecendo em todo o território nacional. Em Maceió, em 1º de fevereiro de 1912, a intolerância racial e religiosa parece ter atingido um dos seus níveis mais violentos. O quebra-quebra atingiu todos os terreiros da cidade, convertendo-se em um massacre e deixando marcas profundas na cultura local.
Em 1912, a República Velha passava por uma fase especialmente turbulenta. A eleição do Marechal Hermes da Fonseca à Presidência, dois anos antes, acontecera sob fortes questionamentos daqueles que desejavam um presidente civil. Setores ligados ao Exército, os quais apoiavam o presidente, advogavam a necessidade dos militares intervirem na política, marcada pela forte corrupção e pelo mando das oligarquias. Esta ideologia deu início a ‘Política das Salvações’, onde governadores eram derrubados por meio de golpes militares.
O estado de Alagoas do início do século também estava sob o mando de uma oligarquia. Governador por 12 anos, Euclides Malta era acusado por seus opositores de decadência moral, devido às suas relações com os terreiros de Maceió. O Quebra de 1912 aconteceu num misto de motivações políticas com preconceitos contra os templos afro-brasileiros, sendo as entidades africanas demonizadas e associadas a práticas de bruxaria. O acontecimento, que levou a deposição de Malta, gerou também um retrocesso no processo de afirmação da cultura negra numa sociedade pós-escravocrata, tendo repercussões em todo o estado.
O diretor, Siloé Amorim, conta que “a quebra das casas de Xangô repercurtiu nas expressões da cultura negra, suprimindo manifestações no carnaval, como o Maracatu, dentre outras, num movimento que se espalhou de Maceió para o restante de Alagoas”. Devido à violência e à repressão, surgiu uma forma “envergonhada” ou humilhada de culto: o “Xangô rezado baixo”, feito sem a presença dos batuques e às escondidas.
O interesse do diretor pelo ‘Quebra’ começou a partir do estudo de mestrado sobre os índios aculturados em Alagoas. “Observei que elementos de sua cultura estavam associados às religiões afro-brasileiras. Nessa época, ouvi falar em ‘Quebra de Xangô’, algo que ainda ignorava completamente”, conta ele. O desconhecimento acerca do evento comprovou-se não ser mero acaso ou mesmo algo restrito ao diretor. “O quebra foi um episódio silenciado durante quase um século. O silêncio oficial envolveu não apenas políticos, mas também jornalistas e intelectuais. É um fato que até mesmo pessoas ligadas ao Candomblé desconhecem.”
Segundo o diretor, o documentário não se limitou a revelar um episódio histórico. “Seria difícil se prender aos elementos históricos, até mesmo pela escassez de registros e relatos. O documentário procura romper não apenas o silêncio e a invisibilidade acerca do ‘Quebra’, mas também mostra personagens atuais e desconhecidos nos terreiros e nas periferias, que demostram a resistência do Candomblé.”
Siloé Amorim é antropólogo e fotógrafo. Desenvolve trabalhos e pesquisa na área de antropologia visual. Atualmente, desenvolve tese de doutorado em antropologia social na UFRGS.
Ficha Técnica
Título: O Quebra do Xangô (Alagoas – 2007 – 52 min)
Direção: Siloé Amorin
Co-produção: Siloé Soares de Amorim | Staff Áudio e Vídeo | IZP | Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas
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