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Quando abri meu livro - Ana Cláudia Laurindo

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Quando abri meu livro 


Ana Cláudia Laurindo- Cientista Social 

Fico verdadeiramente alegre com mais uma bienal do livro acontecendo em Alagoas! 

Algumas fibras sensíveis vibram, retorno ao passado, à infância rica de simbolismos, de trancoso, contos e “causos” que permeavam o ideário do meu povo. Mas eu lia. A maioria não sabia nem escrever. 

Meus seis anos de idade já encontravam Cinderela, Chapeuzinho e o Pequeno Polegar, mas muitas das meninas que jogavam comigo na praça, sequer conheciam o alfabeto. 

Parecíamos tão iguais, mas esse detalhe nos diferenciaria ao longo da vida. 

Enquanto crescia, os encontros se diferenciavam, de Ganymédes José recebi um livro que foi “Um presente para Cláudia”, tinha nove anos. 

Mas aos dez li Iracema, conheci Helena e Lucíola, essas mulheres entraram cedo na minha vida, com seus parceiros nem sempre espertos ou merecedores dos amores que inspiravam.

A meu lado, muitas meninas não podiam brincar, pois precisavam ajudar suas mães lavadeiras, carregando enormes trouxas de roupas sujas de quem podia pagar. 

Jamais esqueci a inveja que sentia de quem podia ir ao rio, mergulhar, nadar (jamais aprendi a nadar!) mas minha mãe sempre me protegia das águas assassinas do Rio Camaragibe, matador anual de homens, mulheres, jovens e criancinhas! 

Fui ao enterro de alguns. 

Aos poucos aquela cidade me parecia pequena demais para quem tinha idéias como as minhas. 

Raros amigos compartilhavam, mas era feliz quando lia Arriete Vilela e Clea Marsiglia na pracinha, sob árvores e luar, revezando o recital com minha amiga Cátia Cavalcante. 

Conseguíamos ir bem “além do avesso da corda’, como se exibíssemos um lindo “chapéu da Itália”. 

São apenas recordações! Talvez nostalgia, mas meus amigos italianos diziam que não existe palavra mais linda que saudade. 

Talvez estejam certos. Mas o que não posso esquecer mesmo é a imagem das meninas que não tiveram oportunidade de ler. 

Aquelas que foram devoradas pela miséria e pelos homens malsinados que lhes cruzaram os caminhos íngremes. 

Não posso esquecer os meninos que cresceram na vizinhança da minha casa e hoje trabalham nos canaviais do Mato Grosso e Minas Gerais, enviando o dinheiro para os filhos que lhes aguardam o retorno, de cara triste. 

Contudo, lamento mesmo os meninos e meninas do meu tempo, que cresceram sem perspectiva de futuro, sem qualificação para apresentar ao mercado, sem outra moeda de troca senão a própria existência a legitimar a ocupação dos cargos políticos locais, como votantes de cabresto. 

Presos, devedores, comprometidos com os promotores das mesmas políticas que analfabetizam a mente e alma das gentes. 

Minhas quimeras passam hoje pela espera de que não deixemos de sonhar os tempos da libertação! Que os livros sejam muito mais que símbolos de elitização, mas de instrumentalização para a luta bendita nos campos de Deus. 

Quem dera todo povo não-leitor pudesse ler a traição que lhes mantém reféns, quem dera, que todo povo leitor pudesse interpretar a importância de sua participação política para a construção de sociedades includentes, equânimes e humanizadas.

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