Há pouco mais de um século, arqueólogos britânicos descobriram a entrada da tumba do antigo monarca egípcio… espalhando seus tesouros por todo o mundo.
Por Bob Grant
O legado de Tutancâmon e as sombras da arqueologia colonial
Em 1922, o arqueólogo britânico Howard Carter e sua equipe descobriram uma escadaria descendente entre escombros e destroços próximos ao túmulo do rei Ramsés VI, datado do século XII a.C., em Luxor, no Egito.
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| sta foto de 1922 mostra o egiptólogo britânico Howard Carter trabalhando na tumba do Rei Tutancâmon, a descoberta que definiria sua vida e carreira. Crédito: Harry Burton / Wikimedia Commons |
Naquele dia — 4 de novembro de 1922, há 103 anos —, eles haviam encontrado o lendário túmulo do faraó Tutancâmon. Poucas semanas depois, em 26 de novembro, Carter e o egiptólogo Lord Carnarvon, que financiou a expedição, entraram no santuário interno do túmulo. O local estava surpreendentemente intacto, abrigando o sarcófago dourado de três milênios do jovem rei, cercado por tesouros inestimáveis.
Carter, em coautoria com Arthur Cruttenden Mace, descreveria a cena em um livro de 1923:
“A princípio, não conseguia ver nada; o ar quente que escapava da câmara fazia a chama da vela tremeluzir. Mas, aos poucos, à medida que meus olhos se acostumavam à luz, detalhes do interior da sala emergiram lentamente da névoa — animais estranhos, estátuas e ouro. O brilho do ouro por toda parte.”
O que se seguiu, no entanto, refletiu a forma problemática como a arqueologia era praticada há um século. Parte da riqueza e da história incalculáveis contidas no túmulo de Tutancâmon — que havia resistido aos saqueadores por mais de 3.000 anos — foi ilegalmente retirada e levada ao Reino Unido e a outros países, em alguns casos, supostamente pelo próprio Carter.
Havia, desde então, suspeitas de que Carter se apropriara de alguns dos antigos tesouros, mesmo enquanto a escavação ainda estava em curso. Em 1924, o governo egípcio entrou em conflito com o arqueólogo sobre o controle da tumba e de seus artefatos. Carter e sua equipe suspenderam os trabalhos em protesto, até que um acordo fosse firmado: ele concordou em transferir a maior parte dos achados para o Museu Egípcio do Cairo, e retomou as escavações no fim do mesmo ano.
Apesar disso, rumores de irregularidades persistiram por décadas. Artefatos supostamente vindos da tumba começaram a surgir em museus de vários países. O Metropolitan Museum of Art, de Nova York, adquiriu 19 objetos entre as décadas de 1920 e 1940 — peças que foram devolvidas ao Egito em 2010, após a confirmação de que provinham do túmulo de Tutancâmon.
Em 2022, novas evidências vieram à tona: uma carta de 1934, enviada a Carter pelo filólogo Sir Alan Gardiner, membro de sua equipe, mencionava um amuleto presenteado por Carter. Ao mostrar o objeto a Rex Engelbach, então diretor do Museu Egípcio do Cairo, Gardiner foi informado de que o artefato havia sido “indubitavelmente roubado da tumba de Tutancâmon”. O estudioso, com discrição, repreendeu Carter:
“Lamento profundamente ter sido colocado em uma situação tão delicada.”
A carta reforçou a suspeita de que Carter havia saqueado parte dos tesouros. Casos semelhantes de apropriação indevida também marcaram outras escavações da época. Em 2019, por exemplo, o Egito exigiu — sem sucesso — a devolução de uma estátua de pedra de Tutancâmon, vendida por quase US$ 6 milhões em um leilão da Christie’s, em Londres. O arqueólogo egípcio Zahi Hawass declarou que a peça havia sido saqueada do Templo de Karnak, em Luxor.
Esse é apenas um entre inúmeros episódios que revelam como o patrimônio cultural de diversas civilizações foi extraído e exportado durante o período colonial. O Egito ainda reivindica, por exemplo, a devolução da Pedra de Roseta, peça fundamental para a decifração dos hieróglifos, que permanece no Museu Britânico desde que foi tomada pelos britânicos em 1801.
Apesar de tudo, parte significativa do legado de Tutancâmon está, enfim, de volta ao país. No início deste mês, o Grande Museu Egípcio de Gizé, avaliado em US$ 1 bilhão, inaugurou suas galerias principais, exibindo mais de 5.000 artefatos do túmulo, entre eles a famosa máscara funerária de ouro e a carruagem real.
Embora a arqueologia contemporânea tenha avançado imensamente em termos éticos e científicos, muitos artefatos ainda aguardam repatriação. Hoje, arqueólogos e antropólogos buscam dialogar com comunidades locais e povos originários, adotando práticas mais respeitosas e colaborativas.
Esses esforços são essenciais para que os tempos sombrios da exploração arqueológica permaneçam apenas como lições do passado — e não como heranças do presente.
PALAVRAS-CHAVE:Tutancâmon, Howard Carter, arqueologia, Egito, Luxor, Museu Britânico, repatriação de artefatos, história antiga, Grande Museu Egípcio, Zahi Hawass
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