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O plano piloto em Exu e sua contribuição ao controle da peste no Brasil - Celso Tavares

Celso Tavares
Dr. Celso Tavares - controle da peste no Brasil 



FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHÃES
Doutorado em Saúde Pública

Celso Tavares

Análise do contexto, estrutura e processos que caracterizaram o plano piloto de peste em Exu e sua contribuição ao controle da peste no Brasil


A peste, doença primariamente de roedores, é causada pela Yersinia pestis e transmitida principalmente por pulgas. O homem envolve-se acidentalmente na cadeia epidemiológica, podendo apresentar desde infecções assintomáticas a formas fatais, num espectro clínico que pode apresentar expressões proteiformes que dificultam o diagnóstico.

A doença está incluída na Classe I do Regulamento Sanitário Internacional (RSI) que estabelece as atribuições do Estado: manter vigilância permanente nos focos e nos locais por onde a infecção possa ser introduzida a partir de focos ativos de outros países ou continentes, bem como conhecimento dinâmico da situação das populações de roedores e pulgas e características da Y. pestis (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006a).

No Brasil há duas áreas principais de focos independentes: os do Nordeste e o da serra dos Órgãos, todos localizados em elevações cujas condições de temperatura, umidade, vegetação e fauna são bem distintas das que prevalecem nas regiões circunvizinhas. Os do Nordeste localizam-se nas serras da Ibiapaba e do Baturité (Ceará), Chapada do Araripe2 (Ceará, Pernambuco e Piauí), Chapada da Borborema (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte), serra de Triunfo (Paraíba e Pernambuco), Planalto Oriental (Bahia) e piemonte da Chapada Diamantina (Minas Gerais). O da serra dos Órgãos localiza-se no Estado do Rio de Janeiro, nos limites dos municípios de Teresópolis, Sumidouro e Nova Friburgo (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE, 1994; POLLITZER; MEYER, 1965), o que torna a peste um problema nosológico regional.

A persistência desses focos, a manutenção e ampliação dos bolsões de pobreza e a desestruturação dos serviços públicos oferecem um campo fértil para a sua propagação, inclusive para centros urbanos. O deslocamento de infectados torna a peste uma ameaça real e permanente, mesmo se dispondo de experiência e de excelente acervo de informações clínicas e epidemiológicas, além de recursos laboratoriais que evoluem continuamente modificando as condutas estabelecidas por suas sensibilidade e especificidade, aumentando a eficácia e

1 O bacilo pestoso foi inicialmente denominado Bacillus pestis, depois Pasteurella pestis e a partir de 1974, Yersinia pestis (MOLLARET; THAL, 1974). A não ser quando a citação for literal, será utilizada a última designação.
2 A expressão Chapada isoladamente se refere à Chapada do Araripe, onde ocorreu a maioria dos eventos aqui descritos.
 

eficiência das intervenções. A emergência de cepas resistentes aos antimicrobianos, porém, é um problema crítico que pode gerar demandas complexas por conta da redução de investimentos na pesquisa de novos produtos, repercutindo na terapêutica e quimioprofilaxia e exigindo uma prevenção primária cada vez mais eficaz (ALMEIDA et al., 2005; ALMEIDA et al., 2007; CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2003; FREITAS, 1981; SADER, 2005).

A capacitação dos técnicos para que eles estejam adequadamente preparados para lidar com o problema, diagnosticando-o precocemente e aplicando prontamente medidas de saúde pública é imprescindível. Ela é, todavia, uma atividade de difícil consecução mesmo na vigência de epidemias, pois os profissionais de saúde têm uma noção equivocada do agravo, considerando-o uma curiosidade, uma alegoria, um evento pitoresco. Assim, o diagnóstico da zoonose é difícil mesmo nas zonas enzoóticas, o que se agrava nas zonas indenes ou no início das epidemias, especialmente se os primeiros casos forem de peste oligossintomática, septicêmica, pneumônica ou se afligirem crianças. A hipótese diagnóstica de peste, portanto, só pode ser aventada por médicos que conheçam a sua realidade, a nosologia regional, o ecossistema, privilegiem o uso da epidemiologia e saibam reconhecer devidamente a importância de alterações na biota e suas repercussões nas populações humanas (ALMEIDA et al., 2007; AMATO NETO; PASTERNAK, 1998; DATTA, 1995; DENNIS et al., 1999; TAVARES, 2000).

As ameaças de atentados terroristas, principalmente a partir de 11/09/2001, conferiram um novo status à zoonose, retirando-a do limbo onde permanecia como doença típica da pobreza, pois passou a merecer também a atenção dos países desenvolvidos. Concedeu-se prioridade ao estudo de medidas de controle a serem adotadas na vigência de um ataque bioterrorista com o bacilo pestoso, por conta da possível epidemização da forma pneumônica, uma calamidade médico-sanitária (GILFILLAN et al., 2004; INGLESBY et al., 2000; INGLESBY; GROSSMAN; O'TOOLE 2001; KORTEPETER, 2001; McGOVERN; FRIEDLANDER, 1997). Cumpre considerar que sempre existe a possibilidade da sua ocorrência em locais inesperados, como ocorreu em 2002 na cidade de Nova Iorque - Estados Unidos da América (EUA), quando foram diagnosticados dois casos alóctones de peste bubônica (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2004).

A história da peste é riquíssima e enlevante, denotando perspectivas infinitas, bem além daquela usual, eminentemente reducionista. A palavra evoca no inconsciente coletivo um longo e sombrio cortejo de imagens extraordinárias, amalgamadas pela dor e a morte, que repercutiu no evolver da humanidade, não permitindo, assim, uma abordagem simplista por conta das peculiaridades biológicas e sociais que gravam todas as suas dimensões. O desconhecimento da sua evolução e de alguns dos seus caracteres epidemiológicos e clínicos, apesar da sua vetustez e transcendência, é um fato marcante.

No Brasil, alguns eventos, como o combate desenvolvido por Oswaldo Cruz e seus pares, são reconhecidos pelos técnicos e a sociedade, enquanto outros, que contribuíram substancialmente para o controle da zoonose, como o Plano Piloto de Peste em Exu (PPP), ainda permanecem quase totalmente ignorados. O Plano Piloto foi uma iniciativa do Governo Federal, apoiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e desenvolvida pelo Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu) e consultores do Instituto Pasteur de Teerã (IPT), que tinha como principal objetivo responder uma dúvida que afligia os pestólogos e sanitaristas brasileiros: a existência da peste silvestre no país. O projeto foi desenvolvido no período de 1966 a 1974 e, no decorrer de oito anos e meio, a equipe desenvolveu um programa de pesquisas que alterou o conhecimento e as práticas até então adotadas pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) (DEPARTAMENTO NACIONAL DE ENDEMIAS RURAIS, 1962; INSTITUTO NACIONAL DE ENDEMIAS RURAIS, 1967f).

O Plano foi um evento importante na história das grandes endemias no Brasil e, como investigava a peste, não poderia ser diferente: ao se debruçar sobre o bacilo, pulgas, roedores e homens convivendo em ambientes físicos e sociais específicos e complexos gerou uma história magnífica, pois também envolvia sentimentos, ideais e interesses distintos. É primordialmente, porém, uma história de paixão, coragem, desprendimento, compromisso e competência de pessoas que tornaram viável uma proposta praticamente inexeqüível e que produziram conhecimentos, muitos dos quais ainda inéditos e outros tantos perdidos em escaninhos de Washington, Genebra, Paris e Teerã.
 
2 JUSTIFICATIVA

O Plano Piloto de Peste em Exu, apesar de ter elucidado aspectos desconhecidos da epidemiologia, gerar um substancial acervo de conhecimento, racionalizar os procedimentos de controle, além de fomentar a formação de gerações de pesquisadores que atualmente atuam no Serviço de Referência em Peste do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (SRP/CPqAM) e de incentivar o intercâmbio internacional com institutos consagrados, ainda é um grande desconhecido para a sociedade e maioria da comunidade científica. Urge, portanto, recuperar e compilar todos os registros disponíveis, públicos e privados, para que se tenha uma noção precisa da grandeza do projeto.

As pesquisas básicas sobre a peste no Brasil foram realizadas no Laboratório de Peste do INERu em Exu-Pernambuco e forneceram significativa contribuição ao conhecimento da zoonose no país, muito embora alguns aspectos ainda permaneçam inexplicados, exigindo estudos complementares. Não há, contudo, um registro sistemático publicado do Plano e na literatura disponível somente os relatórios de Marcel Baltazard, nos quais as mais diversas vertentes desenvolvidas são comentadas, permitem vislumbrar a magnitude do Plano Piloto de Peste.

A sua abordagem é, porém, qualitativa e os relatórios são eminentemente descritivos, omitindo sistematicamente os dados que fundamentaram as hipóteses e conclusões, o que gerou situações conflituosas em que o programa de pesquisas chegou a ser tachado de “romance Baltazard”, pois a comunidade científica desconhecia totalmente as rotinas e resultados dos estudos desenvolvidos no foco. A sua inesperada morte em 1971, além de determinar um impacto significativo no desenvolvimento das atividades, manteve inédito o trabalho executado na Chapada do Araripe, pois foi impossível coligir e publicar toda a produção científica do Laboratório de Exu, apesar da interferência do Ministério da Saúde (MS) e da Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Vale salientar que o quarto e último relatório elaborado por Baltazard, em maio de 1970, documento datilografado inédito mantido no acervo de Alzira de Almeida, foi publicado somente em 2004 (BALTAZARD, 2004a).

Constata-se que há uma abordagem de tópicos específicos nas publicações de Alzira de Almeida, Célio de Almeida, Dalva Mello, Francis Petter, Baltazard e Youness Karimi. Cumpre, assim, recuperar e descrever os antecedentes, o contexto, a estrutura e a execução de todas as etapas do Plano, relatar os resultados obtidos, discutir o evento e trazer à luz aspectos controversos que não foram devidamente elucidados e que estão a merecer a atenção dos estudiosos do século XXI.


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