Leis, punhais e um espaço para a humanidade - Odilon Rios -->

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Leis, punhais e um espaço para a humanidade - Odilon Rios


Odilon Rios
23h11, 26 de novembro de 2010

As imagens da truculência, no Rio de Janeiro, chamada de justiçamento por uma sociedade amedrontada pela falência do aparelho estatal- crendo em seus heróis de carne falíveis por natureza e não por fatalidade- movimentam seus exemplos, em várias partes deste mesmo Brasil- desigual em suas regiões, mas carregando a essência da exclusão- a anulação de um para fazer existir o outro.

Pude perceber isto esta semana. Quando meu filho foi brutalmente assassinado em Matriz de Camaragibe, as manifestações de solidariedade e carinho foram incontáveis, em todos os sentidos que as palavras consigam alcançar. Mas, houve comentários mostrando o barbarismo da natureza humana. Obviamente, revestidos pelo pseudônimo nos sites que gentilmente reproduziram os nossos desabafos.

O consciente escondia o inconsciente, aquilo que teimamos em não mostrar. O quê nos envergonha, nos maltrata. Ou insistimos em negar. Nosso lixo psicológico.

Mas, esse sentimento de despossessão em relação ao outro, se enverada pelas instituições, ditadas pelas regras da burocracia.

Esperei oito horas e meia pela chegada do “rabecão” do Instituto Médico Legal Estácio de Lima ao hospital de Matriz de Camaragibe.

A “lei” teimava com meus botões. A ambulância do Samu estava parada na porta. “Como ele está morto, não pode ser levado para Maceió. Só pelo carro do IML”, dizia a médica.

No desespero- recorrendo a telefonemas a esmo na madrugada para a chegada do “rabecão”, a “lei” me reservou uma segunda alternativa.

“Você pode carregar o corpo na mão, levar em carro particular e ir a Maceió. Fica por sua conta e risco”. Novamente, a médica.

A delegacia teimava em me fazer conseguir um papel; o hospital não poderia liberar o papel. Era o laudo. Sem ele, nada de provar a existência da morte.

“Pode complicar a doutora, se a gente liberar. É a lei”, disse-me o agente na delegacia.

O título honorífico era para a delegada.

O IML liberaria o corpo às 14 horas. Depois de muito insistir, saiu de lá às cinco da tarde.

“O médico foi lanchar. A lei diz que pode”, disse-me alguém.

Quarenta minutos de velório. O enterro.

Nossa despossessão- a anulação de um para a vitória do outro- lembra Noel Rosa, no samba “Quando o samba acabou”. O silêncio do canto, depois da punhalada:

E como em toda façanha

Sempre um perde e outro ganha

Um dos dois parou de versejar

E perdendo a doce amada

Foi fumar na encruzilhada

Passando horas em meditação

Quando o sol raiou

Foi encontrado

Na ribanceira estirado

Com um punhal no coração

Ainda há espaços para a humanidade. E também para todos ganharem.



Será que nós radialistas e jornalistas iremos deixar isso impune? É mais um pai que enterra seu filho vítima daqueles que tudo podem fazer em nosso estado. Espero que o próximo fiho não seja o seu sociedade Alagoana.

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