POR UMA PAZ QUE SEJA PAZ - Padre Zezinho


Falemos da cultura da paz. O prédio de vidro fumê, majestoso e monumental, foi inaugurado com pompa inaudita. Três anos depois foi fechado para reformas. As reformas não deram certo. Acabou esvaziado e implodido. O presidente se demitiu. A construtora e o engenheiro foram processados. O prédio fora construído ás pressas, as fundações mal calculadas e não houve como trabalhar ou morar num edifício que não oferecia segurança.

Quando li a notícia pensei no texto de João: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Que vosso coração não se perturbe, nem se atemorize. (Jo 14, 27)” E vieram-me à mente outras passagens de construção da verdadeira paz que habitualmente leio nos evangelhos. Antes que cordeiro e lobo aprendam a beber das mesmas águas ( Lc 10,3;Is 11,6) será preciso inaugurar um Reino no qual não há disputas por primeiros lugares (Mc 10,31; Mt 23,26), onde os lideres servem com humildade a ponto de lavar os pés dos seus liderados ( Jo 13,14), no qual ninguém foge da cruz (Mt 16,24) mas também não a procura (Mt 6,34).

Jesus propõe que, para que a paz que ele propõe se estabeleça, nosso eu se adapte à realidade de um mundo que precisa ser mudado pela solidariedade. Vai conquistar o reino quem descrucificar os crucificados pela dor ou pelas injustiças do mundo (Mt 25,31-46). Um simples copo de água dado com amor pode fazer a diferença na construção da paz.

E qualquer que tiver dado ainda que seja um mero copo de água fria a um destes pequenos, em nome de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão. (Mateus 10 : 42)


Embora 99 em cada 100 pessoas queiram a paz, a grande maioria não sabe como plantar, cultivar e colher a paz porque sempre haverá inimigos s semear o joio no meio do trigo(Mt 13,25-30). A paz do mundo se revela sempre instável, porque uma coisa é a querer a paz e outra é torná-la possível. Em lugares desérticos, quem quer frutos e flores precisa aprender a armazenar as águas de chuva. Se depender da que cai do céu o agricultor passará fome. Se dependermos da paz que vem do céu quando precisamos, e não da paz armazenada, não sobreviveremos. Paz é como chuva em regiões áridas. Há que haver diques, açudes, reservatórios parta os tempos de seca. Deus dá a paz, mas quem não a armazena sofrerá sua falta. O tempo de Deus não é o nosso, mas podemos adequar nosso tempo ao tempo de Deus. A paz de Deus não é a nossa, mas podemos adequar nossa paz à paz de Deus.

Era disso que Jesus falava, quando em Mt 16,26 provocou seus ouvintes. De que adianta conquistar o mundo inteiro se uma pessoa não consegue ser dona de seus sentimentos e impulsos? Se sabe ganhar dinheiro, mas não sabe conviver? Se sabe o que quer, mas não se importa com o que os outros querem? ( Mt 11,25; 18, 6-14) Segundo Jesus seremos julgados pelo que fizemos ou deixamos de fazer pelos apequenados e feridos pela vida. O que não tivermos feito por eles, não teremos feito pelo céu e o que tivermos feito contra eles teremos feito contra Deus… (Mt 25,40-45)

Não há paz pela metade. Ou a árvore é boa e promete frutos que aparecem no devido tempo ou não merece o nome que lhe dão. Ou é paz ou não é. Pelo grau de violência de governos, partidos, ditaduras; pela competição feroz por hegemonias, pela visível luta por mais adeptos e por primeiros lugares, pelo puxar de tapetes na sociedade que construímos, pelas mentiras da mídia ou do marketing e até mesmo dos púlpitos, pelos falsos milagres, falsas curas, falsas promessas, falsas visões ou revelações, pela luta feroz por mais dinheiro, mais influência e mais poder, fica evidente que não se trata de paz.

Onde alguém pretende suplantar alguém, onde alguém quer lugar de alguém, onde se mente e se ressaltam os pecados do outro e se escondem os do nosso lado, onde o pecado alheio vira manchete e o nosso é cuidadosamente escondido; onde se chama de vitória o que é prepotência, onde nós podemos falar, mas o outro é amordaçado; onde só é permitido elogiar e concordar e fica terminantemente proibido discordar , naquele país ou naquela igreja a paz ainda não aconteceu.

Na família onde ninguém pode ter opinião diferente, onde se levanta a voz com raiva porque o outro não fez o que queríamos, onde se engana pai e mãe e filhos, onde as coisas não são conversadas com amor e paciência a paz ainda não aconteceu. Ainda não é a paz que Jesus propõe.

Paz é a daquele que morre pelos outros, mas não mata nem mente por suas idéias políticas, nem por dinheiro, nem por sua fé. Paz é a daqueles que não se corrompem nem corrompem. Corrupto, além de não ter a verdadeira paz, tira a paz de milhões de pobres e pequenos porque o dinheiro a eles destinado está num banco no exterior em nome da família do corrupto.

Paz é a de quem porta o DNA da solidariedade. Se tem, reparte, se pode, ajuda, se vê alguém ferido, faz alguma coisa por ele. Paz é a daquele que, mesmo não crendo em Deus, por amar os outros e respeitá-los faz o que os crentes dizem que Deus deseja. Paz é daquele que, crendo que Deus existe, age como quem crê que Ele vê o que fazemos pelos que ele ama.

É por isso que os católicos começam suas missas dominicais cantando para o brilho de Deus, que os hebreus chamavam de kvod, glória. No hino ao Deus que ilumina seu povo os católicos exaltam a luz de Deus que está difundida pelo universo, nas alturas, e aqui se manifesta, toda vez que alguém mostra gentileza e boa vontade no trato com os outros. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados, aos humanos de boa vontade! A nova versão “Humanos que ele ama” ou “Por ele amados” não elimina a versão antiga “ humanos “de boa vontade”.

O reino dos céus é um reino de paz e repousa na vontade de Deus e na boa vontade dos que a procuram. A boa vontade humana se encaixa na vontade de Deus. Não basta orar e falar bonito. Há que se viver em busca do melhor e da vontade de Deus.

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. (Mt 7, 21)

Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; (Mt 6,10)

Qualquer um, (não apenas os da nossa igreja) que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe. (Mt 12, 50)

Assim, também, não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. (Mts 18, 14)

E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade. (Mt 26, 42)

O que seria então, para um crente, a cultura da paz? Boa vontade; adequação da nossa vontade ao que cremos ser vontade de Deus; certeza de que a vontade de Deus é estabelecer a justiça; é levar o mundo ao diálogo; é o combate a toda forma de dominação ou violência; é o cuidado especial para com os mais desprotegidos.

A cultura da paz é o zelo pelas crianças e pelos enfermos ou carentes, é a coragem de anunciar e denunciar, de falar em defesa de quem não sabe se defender, é a firme defesa da vida em todos os seus estágios…

A cultura da paz é a partilha dos bens, a consciência de que se alguém pode e tem mais precisa ajudar quem pode e tem menos; a humildade de não querer os primeiros lugares; a maturidade de saber perder sem ressentimentos e de saber vencer sem prepotência

A cultura da paz é a busca sincera da verdade, o respeito por quem pensa ou é diferente, a coragem de lutar pela coletividade e de renunciar a vaidades e projetos pessoais quando nosso povo não tem o mínimo necessário.

A cultura da paz é a descoberta do meu/meu e do teu/teu até se chegar ao polinômio meu/teu teu/teu. É o desprendimento e a descoberta do bastante. É saber quando nossa conta no banco caiu no supérfluo e quando acumulamos mais do que precisaríamos para viver.

A verdade é que onde, pela porta dos fundos de nossa alma entram a vaidade, o orgulho, o desejo de ser primeiro, o acúmulo de bens, o luxo, o consumismo, o desespero pelos lugares de honra e pelos aplausos, pela porta de frente a paz vai embora. Ela não sabe conviver com tamanhos desvios de caráter.

Foi sabendo disso que Jesus propôs vida suficiente frugal aos seus discípulos e mostrou pena dos gananciosos (Lc 6,24). Em toda a extensão do capítulo 23 de Mateus Jesus revela quem não tem e quem tem a cultura da paz. E faz uma seqüência de “ai de vós” alertando os criadores de confusão e os que navegam no egocentrismo, às vezes até com o nome de Deus nos lábios. O que os espera é tudo, menos a felicidade. Morrerão vítimas dos seus excessos. (Jo 8,21) Chamou de sepulcros caiados os falsos pregadores da paz que por fora parecem piedosos e cheios de palavras lindas, mas por dentro carregam podridão ( Mt 23,29)

A severidade de Jesus é contra os que levam a paz nos lábios, mas não no coração. Pelo que fazem mostram que seu objetivo não é a alteridade, então não querem a paz.

Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. (Mt 15,

O maior libelo contra a falsa paz está na colocação inicial de Mateus 23:

Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi.

Vejamos os pregadores da paz, como moram, como se vestem, que bens possuem, quanto cobram, onde aplicam seus bens, se ostentam riqueza, se são simples e acolhedores, se precisam de muitas coisas para viver, se sabem do que falam, se aprofundam seus estudos, se partilham, se aceitam conselhos e correções, se sabem conviver, se admitem que precisam se converter, se andam com guarda-costas e por quê; se querem ser vistos e por quê, se usam do marketing e como usam e se disputam ou não disputam os primeiros lugares, que ambientes freqüentam e por quê…

Tudo isso tem a ver com a cultura da paz e com um mundo onde se é m entre bilhões…O pensamento é de Jesus: -Se o que buscavam era o aplauso do mundo, conseguiram. Tocaram trombeta para anunciar sua chegada, usaram de vestes chamativas, exibiram-se, jejuaram nas esquinas, fizeram seu marketing e milhões de pessoas os viram e elogiaram. ( Mt 6,2-16) E depois? Esperam o quê da parte de Deus?

Para quem buscou tirar proveito da paz que semeou ele diz que está reservado um castigo maior. ( Mc 12,40; Lc 20, 47) Se a pretexto de orar e dar paz encheram seus cofres de bens, o céu lhes cobrará caro. Pensaram demais em si e quiseram uma porcentagem daquela paz em bens materiais…

A cultura da paz supõe desapego a dinheiro, a confortos excessivos, a amigos, a lugares, a fama, a elogios e ao sucesso. Supõe que, ao fim da jornada, após cada elogio, o promotor da paz possa dizer: Sou um servo como qualquer outro… Não fiz nada além da minha obrigação. (Lc 17,10)

Numa sociedade que canonizou o indivíduo de sucesso e que vê suas fotos e seu rosto espalhado por todos os cantos é bom lembrar, ao menos aos religiosos, o que Jesus falou aos carregadores de cruz e aos construtores da paz. Em palavras de hoje ele diria: -“Desçam do palco e saiam da liteira. Deixem isso para quando forem idosos e não conseguirem mais caminhar. Agora, vão lá e misturem-se ao povo. Sejam simples e, se agora de fato são os primeiros, aprendam a curvar-se e a lavar os pés dos outros e não apenas na quinta-feira santa, com câmeras ao redor …

O desafio está lançado, para mim e para qualquer pregador da paz, que de vez em quando precisa enfrentar microfones e holofotes… Temos este vislumbre ou ainda somos da ala dos deslumbrados no carnaval da vida? Iluminados ou deslumbrados? Que o povo nos julgue, porque Deus já sabe o que temos buscado!

Padre Zezinho

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