Uma nova Alagoas é possível - Golbery Lessa

Compreender a formação social alagoana é entender nosso
atraso exemplar e as extremadas mazelas do capitalismo colonial

Golbery Lessa *


Introdução

Ao longo do século XX, o principal erro teórico da esquerda alagoana consistiu em desconsiderar as singularidades de Alagoas e de aplicar, de maneira esquemática e mecânica, o entendimento da esquerda brasileira sobre o país na compreensão da realidade estadual. Várias circunstâncias econômicas, culturais e políticas têm possibilitado a superação deste equívoco que custou muitos dissabores para a militância, os setores democráticos e os trabalhadores. Felizmente, vem se tornando consensual entre a esquerda caeté a idéia de que, do ponto de vista teórico, é imperioso superarmos as simplificações e buscarmos apreender tanto o que a nossa formação social tem de comum com as outras quanto o que ela tem de singular.

O presente programa de governo que a Frente Popular e Democrática apresenta ao povo de Alagoas, procurando ser coerente com este momento de autocrítica e fertilidade teórica, pressupõe todo o conhecimento acumulado pela esquerda brasileira sobre a realidade do país, utiliza esse arcabouço científico para iluminar as dimensões nacionais das instituições locais, mas concentra o seu foco no desvelamento das peculiaridades alagoanas, buscando tanto delinear as tarefas políticas necessárias para a inversão do sentido da história do nosso Estado como abrir espaço para a consolidação de uma nova fase na cultura da nossa esquerda.

Este programa será apresentado em três principais momentos:

1) começaremos analisando a trajetória histórica da formação social alagoana, o que coincide com uma reflexão sobre as singularidades do nosso desenvolvimento capitalista;

2) na seqüência, apresentaremos uma análise sobre as conjunturas econômicas, políticas e culturais das últimas três décadas, com atenção especial para o avanço ideológico e político da esquerda e das forças populares em Alagoas;

3) concluiremos com a explicitação da nossa proposta de modificação do sentido histórico da sociedade alagoana, dentro dos limites postos pelas condições objetivas nas quais estamos inseridos.

Essa proposta será exposta apenas em suas linhas essenciais, isto é, a partir da apresentação sistemática dos seus princípios norteadores e não por meio do seu detalhamento factual. Os detalhes dessa proposta serão apresentados em uma série de outros textos que tratarão com mais vagar das mais importantes esferas da sociedade e da atuação governamental.

1. A Particularidade do Capitalismo Alagoano

1.1 As três vias de desenvolvimento capitalista

O capitalismo alagoano tem a mesma natureza dos capitalismos brasileiro e nordestino, porém nosso sistema social também apresenta características singulares, especificidades que somente são encontradas em Alagoas. Entender a nossa realidade é, pois, o mesmo que identificar essas peculiaridades e compreender a sua articulação com as dimensões que compartilhamos com o Nordeste e com o Brasil. No presente programa de governo, antes de tratarmos das características exclusivas da sociedade alagoana, precisamos visitar rapidamente as realidades de outros países, do Brasil e do Nordeste; mesmo impondo um relativo distanciamento do nosso principal tema, isso se justifica porque todo conhecimento sobre a sociedade pressupõe a possibilidade de compararmos realidades diferentes; seria impossível identificarmos as nossas singularidades sem, paralelamente, saber também o que temos de comum com as outras formações sociais.

Os países de capitalismo clássico, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, diferenciam-se dos outros países principalmente porque viveram revoluções democrático-burguesas radicais; revoluções que uniram a burguesia, o proletariado nascente e o campesinato na destruição completa da antiga forma de sociedade; essa antiga sociedade, nos casos inglês e francês, possuía a nobreza e a monarquia como os elementos dominantes e, no caso norte-americano, tinha a metade do território nacional dominada pelos grandes proprietários escravocratas. Esses movimentos políticos de massa abriram um grande e fértil espaço para o desenvolvimento do capitalismo e para a consolidação da democracia burguesa; ou seja, permitiram um tipo de trajetória capitalista na qual as mais progressitas características desse modo de produção consolidaram-se em toda a sua positividade e, por outro lado, os traços mais perversos desse sistema social surgiram de maneira mais atenuada.

De modo distinto, os países de capitalismo prussiano, como a Alemanha, a Itália e o Japão, tiveram as suas revoluções burguesas abortadas devido à fragilidade estrutural de suas burguesias e ao receio que estas tiveram de ser ultrapassadas politicamente pela aliança do proletariado com o campesinato. Os burgueses, então, fizeram um acordo com a nobreza e a monarquia pelo qual restringiam bastante as próprias reivindicações políticas, aceitando que as reformas do aparelho do Estado fossem feitas de maneira mais lenta e superficial, em troca de reformas significativas e progressivas no universo econômico. Desse modo, viveram o que Gramsci denominaria de revolução passiva.

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* Professor universitário, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp
Possui um blog no site Repórter Alagoas

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