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Risco de transfusão de sangue no Brasil


Riad Younes
De São Paulo



Ontem li, por acaso, uma manchete que se repete desde janeiro de 2011, na mídia brasileira: "O diretor administrativo da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Dante Mário Longhi Júnior, disse que se o teste NAT (a sigla em inglês para Teste de Ácido Nucleico) fosse obrigatório no país, o risco de infecções contraídas por meio de transfusões de sangue diminuiria em até 20 vezes". Não me espanta a produção de novos testes ou métodos diagnósticos mais eficazes. Me chamou a atenção a possibilidade de reduzir "em até 20 vezes" o risco de infecções transmitidas por transfusões de sangue. Fiquei perplexo e curioso em saber, como estamos no Brasil, atualmente, quanto à segurança das transfusões. Para tentar esclarecer esta dúvida, conversei com Dr. Silvano Wendel, Presidente da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT), Assessor da Organização Mundial da Saúde, e Diretor Médico do Banco de Sangue do Hospital Sírio Libanês, certamente um dos mais renomados especialistas em Banco de Sangue e transfusões de nosso País.

Terra Magazine - Como esta a situação atual da segurança de transfusão de sangue no Brasil?
Silvano Wendel - O sistema brasileiro cobre, de certa forma, todo o território nacional, seja pelo sistema público (hemocentros estaduais) ou privado. As leis brasileiras que regem a segurança transfusional são modernas e coordenadas pelo Ministério da Saúde, e todos os profissionais devem segui-las. O que dificulta um pouco o sistema é a grande extensão territorial do Brasil, fazendo com que muitas das atividades sejam fragmentadas, dificultando um controle adequado das ações executadas. Isto pode ser melhorado por uma centralização maior das atividades hemoterápicas e o Brasil caminha parcialmente neste processo, embora ainda tenhamos muito a percorrer.

Existem diferenças regionais? Ou até entre instituições na mesma região?
O Brasil, por ser muito heterogêneo, não tem como ter um sistema hemoterápico igual em todo o seu território. Isto caminha em paralelo com o nível de desenvolvimento médico local ou regional, pois a hemoterapia é uma atividade de suporte; ou seja, se o sistema médico local for bem desenvolvido, então certamente a hemoterapia também o será. Todavia, o que é importante ressaltar é que as normas mínimas de execução preconizadas pelo Brasil são muito boas e estas devem ser seguidas por todos, independentemente do nível de desenvolvimento local; caso contrário, teremos uma infração de conduta médica e do código profissional vigente. Isto acarreta em uma proteção bastante importante à população brasileira. Mas com certeza, ainda há margens para melhoria.

O controle de qualidade é igual no País inteiro?
Isto irá depender das condições locais de desenvolvimento e atuação dos órgãos fiscalizadores. Com certeza, a vigilância sanitária atua relativamente bem nos grandes centros, mas tenho dúvidas sobre a sua penetração em ambientes remotos e distantes.

O que falta para termos o nível de segurança ideal?
Este é um processo de longo termo, já iniciado há muitos anos, mas que deve ser contínuo e que caminha em paralelo com o desenvolvimento médico e sanitário de todo o país. Não pode ser, portanto, uma atividade independente. Isto requer tempo, investimento tecnológico, formação de bons profissionais, educação médica continuada, orçamentos adequados, e acima de tudo um sustentável suporte político por parte das autoridades competentes.

Como o Brasil se classifica a nível mundial, quanto à segurança da transfusão?
O Brasil tem uma posição intermediária, pois ainda colhemos cerca de 20 unidades de sangue a cada 1000 habitantes (o ideal seria colher pelo menos 30 unidades/ 1000 habitantes), estarmos presentes em todo o território nacional, com sangue e seus componentes disponíveis no momento em que sejam necessários (o que chamamos de acessibilidade). Outro aspecto importante, é que o Brasil ainda conta com cerca de 40% de doadores familiares, ou que estejam fazendo a doação para reposição a um amigo que precisou desta transfusão. O ideal é que todos os doadores estejam fazendo uma doação pelo bem de uma comunidade, independente de quem seja o beneficiado pela doação, de uma maneira voluntária e constante (doações repetidas e fidelizadas). Novamente, o Brasil melhorou muito na última década, mas ainda não chegou a patamares invejáveis frente a indicadores de países desenvolvidos. O desenvolvimento transfusional de um país é sempre uma atividade coordenada, contínua e de longo prazo, que depende de compromisso, investimentos técnicos, financeiros, educacionais, e acima de tudo, vontade política de uma nação, não somente por parte dos políticos, mas também de todos os profissionais envolvidos no sistema.



Riad Younes é professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da USP. Médico do Centro Avançado de Oncologia do Hospital São José e do Núcleo Avançado do Tórax do Hospital Sírio Libanês, São Paulo. Especialista em câncer de pulmão. Foi Diretor Clínico do Hospital Sírio Libanês de março 2007 a março 2011.
Fale com Riad Younes: rnyounes@terra.com.br

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