Na dúvida, o doutor é sempre culpado


Era início do ano, 2 de janeiro, quando o ginecologista-obstetra Gutemberg Costa Pereira, 57 anos, livrou-se de um peso que já carregava há quase seis anos. Indiciado por crime de lesão corporal, ele foi inocentado naquela data pelo Ministério Público do Maranhão, único estado do Nordeste que tem uma radiografia sobre os tipos de processos criminais movidos contra os médicos - cerca de 50% por falta de condições de trabalho. Gutemberg passou quase seis anos respondendo ao processo. Tudo porque, no dia 8 de setembro de 2003, durante um feriadão em São Luiz, não teve condições de fazer um parto cesariano numa paciente, o que provocou uma lesão cerebral no bebê.

O ginecologista contou em detalhes o caso que lhe rendeu muitas noites de insônia. Ele disse que, além de vários médicos terem faltado ao plantão naquele feriado, não havia equipamento esterilizado para a cesariana. Acrescentou que, na hora em que a mãe da vítima chegou para fazer o parto, com dilatação de 8 centímetros, ele tinha de atender a outra paciente mais grave, com risco de rompimento uterino, e que já havia rodado em vários hospitais.

"Tive de fazer a escolha de Sofia e atendi primeiro a mãe com risco de rompimento uterino. Quando eu voltei para socorrer a outra, o bebê dela já estava nascendo e tinha três voltas de cordão no pescoço. Só que eu não podia saber disso, porque essa mãe não tinha feito exame neonatal durante toda gravidez. À noite, infelizmente, o bebê foi levado à UTI apresentando problema cerebral", contou, dizendo que o MP o inocentou porque ele não teve condições de atender a duas pessoas.

A história de Gutemberg não é única. Ele é um dos médicos que fez parte de uma pesquisa inédita realizada pela médica e professora de Bioética, Deíla Barbosa Lima. Esse estudo é único no Nordeste e mostra o perfil dos processos por erros médicos em andamento, entre os períodos de 2002 e 2007. Deíla chegou à conclusão que a maioria dos crimes pelos quais os médicos são acusados (cerca de 50%) acontece por falta de condições de trabalho. Ela temcomo base 43 dos 46 processos existentes na Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Saúde de São Luiz entre os anos de 2002 e 2007. Todas as ações duraram mais de cinco anos. Uma dor de cabeça para os inocentes.

O CFM, por sua vez, disse que a quantidade de processos éticos na entidade não é grande. Embora não tenha dados específicos do Nordeste, de 2008 até maio de 2009 foram instaurados 47 no Brasil e 17 na região. Do ano passado até maio deste ano, o CFM frisou que apenas três médicos foram cassados. Três processos foram arquivados, 35 médicos foram absolvidos, 50 receberam censura, 30 sofreram advertência confidencial, nove ficaram suspensos por 30 dias e 36 foram censurados publicamente.

Fonte:Diário Pernambuco

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