Mistério no Crime do Sacopã é revelado pelo Homem da Capa Preta




Êste retôrno ao caso Bandeira veio à tona durante um bombardeio de perguntas, na TV, contra o Deputado Tenório Cavalcanti. Uma delas foi disparada por êste repórter:

- Tenório, você tem coragem física e moral para contar a verdadeira história do crime do Sacopã? Se tem, diga um sim vigoroso, assumindo compromisso público de apontar à Justiça o autor ou autores do assassínio do bancário Afrânio Arsênio de Lemos. Você dispõe mesmo de elementos para afirmar a inocência do Tenente Alberto Jorge Franco Bandeira? Revelaria tal denúncia através de "O Cruzeiro", em tempo oportuno?

A resposta durou 10 minutos de frases quentes. Tenório juntou a luva, aceitou o desafio: afirmou com gestos fortes e palavras claras que contaria todos os capítulos do “maior êrro judiciário dêste País”.

60 dias depois encontramos o Deputado de Caxias na versão vibrante de um Zola nacional, tendo na mira de seus propósitos um Dreyfus caboclo, o tristemente popular tenente Bandeira. Estava armado, até aos dentes, não de trabucos ou lourdinhas, mas de provas, argumentos, e com a intenção candente de acabar com a farsa do Sacopã. Pediu férias aos milhares de favelados que vem reajustando socialmente, no seu município. Fêz uma pausa na sua candidatura à Presidência da República. Deixou de atender aos pobrezinhos de Caxias. Não lhe sobrava tempo, sequer, para passar as mãos pela cabeça de seus 8 netos. Dirigiu todos os seus atos para o novo front passional: a inocência do Tenente, fôssem quais fôssem as consequências. A capa preta, que muitas vêzes ocultou revólveres, iria, agora, cobrir os ombros de um homem que Tenório apresenta à Nação como espinha na garganta da Justiça braslileira. Mergulhou no mar escuro do processo Bandeira - processo que todo Brasil conhece e discute - e trouxe pérolas do fundo: provas, fichas dactiloscópicas, retrato, enfim, o criminoso, não Bandeira, mas o verdadeiro dono do dedo que apertou o gatilho contra o bancário Afrânio, no cenário noturno da Lagoa Rodrigo de Freitas, já vai para quase 8 anos. Conheceu episódios estarrecedores. Navegou nas águas pretas do Sacopã, nas trevas dos bastidores do processo. Viu quadros tristes da natureza humana. Homens com mêdo de verdade. Outros que acham Bandeira um môço tolo que, aos 23 anos, disputou o amor de uma mulher volúvel, cobiçada por profissionais do romance, mulher que lhe amortalhou a juventude. Descobriu venalidade, uma cadeia de subôrno, consciências de baixo preço no mercado da corrupção - tudo por trás do drama do jovem simples que apodrece no cubículo 21 da Penitenciária Central do Rio, precisamente há 7 anos e 2 meses. Os quadros desta história vermelha, onde a covardia e a frieza moral aparecem a cada vírgula, cairão do conta-gotas confessional de Tenório. Esta é a primeira etapa reveladora, a do retrato do criminoso, a das suas impressões digitais. Paralelamente, Tenório joga à mesa trunfos novos, fatos inéditos, tendo o cuidado de não prejudicar o processo de suas investigações particulares. Está cumprindo a sua promessa: dissecar o drama Bandeira, narrar outra história ao Brasil.

Entre perguntas do repórter e respostas de Tenório, os leitores terão os novos capítulos do crime do Sacopã, revelados pela luneta do Deputado fluminense. É uma janela que se escancara, mostrando um cenário desconhecido. Tenório leva-nos a um estranho turismo por fatos nunca dantes revelados. Firma, em cada revelação, a sua responsabilidade de parlamentar, de homem que tem uma promessa a cumprir. Vejam, agora, se êste diálogo não é o episódio mais sério do caso Bandeira.

Ubiratan: - Quais são as suas provas que anulam o processo que condenou Bandeira? Como você conseguiu tais elementos?

Tenório. - Para responder a esta pergunta, tenho que desfiar a teia do Sacopã, dentro da qual Bandeira ainda se encontra embrenhado. A inocência dêste rapaz me impressiona como um furacão que arranca esperanças pelas raízes. O Sacopã ensinou-me uma lição amarga: a de que Justiça, no Brasil, tem medida para cada prestígio, e pêso para cada conveniência, no balanço das traficâncias políticas. Preocupei-me com Bandeira, desde o primeiro dia do seu julgamento. Aliás, eu assisti ao julgamento dêste môço. Foi então que li nas páginas do seu rosto, não aquela frieza do assassino tipo morfológico, insensível a tudo e a todos, mas a tranqüilidade tenra do homem que não tem culpa. O debate entre acusação e defesa despertou na minha alma de homem estudioso do Direito e das misérias da Humanidade, um sentimento de revolta, por verificar que os pontos fracos da acusação escapavam à argúcia psicológica do jurista defensor. E os pontos frágeis na estrutura da defesa levaram-me à convicção de que Bandeira, ali, era uma lamparina exposta ao vento das paixões. E tudo isso, reunido, criou dentro de mim uma curiosidade e uma sofreguidão, que me arremessaram para uma constante investigação em tôrno do fato. E a tal ponto, que me autorizam, 7 anos depois, e com segurança, a responder à pergunta que você me formula. Sim, tenho elementos para denunciar à Nação os autores materiais do crime. E grito para todo o Brasil escutar: Bandeira é inocente.

Ubiratan: - Por que só agora você se propõe a fazer esta afirmação da inocência de Bandeira?

Tenório. - Porque só agora reuni elementos para fazer uma denúncia de tal gravidade e eco. Ademais, se eu fôsse autoridade policial ou judiciária, ou homem de Govêrno, que enfeixasse nas mãos qualquer parcela de poder, justificar-se-ia a sua curiosidade. Por que você não dirige a sua pergunta aos homens que, por direito, deveriam respondê-la, e não a mim que sou deputado federal, não sou delegado de polícia, não sou órgão do Ministério Público, mas simplesmente o Deputado Tenório?

Ubiratan: - Mas você fêz uma promessa pública pela TV. Está, portanto, na obrigação moral de cumpri-la. Diga quem é o criminoso ou criminosos, se é que você não está fazendo rodeios.


Tenório. - Menino, quando eu mato a cobra, mostro o pau. Vou lhe ditar um nome para o seu caderno de notas. Um nome que todo o Brasil deve decorar. Escreva JOVENTINO GALVÃO DA SILVA, natural de Pernambuco, nascido a 15 de setembro de 1912, com um metro e 64 de altura, cútis parda, cabelos castanho-escuros, barba raspada, filho de Miguel Galvão da Silva e de Isabel Rosa de Lima, residentes em S. Paulo, na cidade de Campinas. Pois foi êle quem fuzilou o bancário Afrânio, e não Bandeira.

Ubiratan: - Você tem maiores informações sobre Joventino?

Tenório. - Tenho, é claro. Ele é conhecido, nas rodas do crime, pelo vulgo de Porquinho. Veio da Paraíba, onde é acusado de vários crimes de homicídio. É seu irmão o delegado de polícia do município de Pedra do Fogo, um oficial reformado da Polícia do Estado. É também acusado de tentativa de crime de morte contra a pessoa do deputado federal Luiz Bronzeado, crime pelo qual responde, na Paraíba. Porquinho é matador profissional. Jamais deixara de aceitar empreitada para matar alguém, desde que lhe pagassem bem. Cobrava caro pela precisão do seu revólver e da sua peixeira. Vou-lhe passar às mãos fragmentos da vida pregressa dêste terrível matador, um presente que devo à Secretaria de Interior e Justiça da Paraíba, à colaboração do Governador Gondim e do Doutor Otávio Costa, Secretário de Segurança.

Ubiratan: - Como explica a vinda dêle para o Rio e como se liga ao caso do Sacopã?

Tenório. - Porquinho chegou ao Rio em fins de 1951, já contratado para o desempenho desta missão criminosa, por agentes que, no Rio, procuravam um profissional do crime para eliminar Afrânio, cuja conduta (Afrânio era um marginal de alto bordo) o incompatibilizara com determinados personagens da vida econômica brasileira.

Ubiratan: - Êle chegou a trabalhar no Rio?

Tenório. - Trabalhou como investigador da Polícia Secreta da Central do Brasil. Recebia por uma fôlha de pagamento reservada, onde passou recibo, cuja assinatura coincide com a do seu prontuário, na Paraíba. Neste lugar, foi pôsto à disposição de um chefe, já falecido.

Ubiratan: - Você tem provas da ligação de Porquinho com êste chefe? Vê nisso alguma ligação com o crime?

Tenório. - Não tenho mais provas. Não me preocupei com êste aspecto do caso. Meu propósito é restituir a liberdade a Bandeira. Só me interessam fatos ligados objetivamente à autoria material do crime, pois só êste aspecto libertará o Tenente.

Ubiratan: - Tenório, quero lembrar a você que existe uma testemunha, Walton Avancini, que afirmou ter visto Bandeira fuzilar Afrânio. O crime, segundo os autos do processo, passou-se dentro do “Citroen” de Afrânio. Avancini descreveu a cena com riqueza de detalhes, e o seu testemunho foi a chave da condenação de Bandeira. Tal testemunha não fêz nenhuma alusão ao Porquinho. Como você explica isto?

Tenório. - Já mandei confrontar as impressões digitais de Joventino com outras, sem dono, encontradas no interior do “Citroen”, e que não pertencem nem a Bandeira, nem a Avancini. Não acredito no testemunho de Avancini, pois se êle estivesse dentro do carro, claro que teria ali deixado suas impressões digitais, uma vez que não tinha nenhum motivo para destruí-las. Aliás, o que reputo mais definitivo para dissipar o crime da Lagoa Rodrigo de Freitas é a prisão de Joventino e sua conseqüente confissão. Esta prisão destruirá a maior farsa judiciária do Brasil. E ainda mais: aí está o retrato e a ficha dactiloscópica do verdadeiro matador do bancário. E eu rasgo o meu diploma de bacharel em Direito, rasgo o meu diploma de Deputado Federal, se houver alguém, neste País, mesmo o jurista mais genial, que prove não ter sido Joventino o criminoso. Reservo-me, entretanto, o direito de eu mesmo interrogá-lo, na presença de repórteres, jurista e, se fôsse possível, de tôda a Nação. Só eu sei por que falo neste tom de convicção.

Ubiratan: - Você acha possível localizar Joventino, ou êle se transformará num fantasma da inocência de Bandeira, num outro mistério?

Tenório. - Com o retrato dêle publicado em sua Revista, idem as suas impressões digitais - identidade completa - só não será prêso num País como o nosso, que coloca um inocente na cadeia e dá liberdade a um criminoso protegido. Se certo grupo restrito da polícia carioca foi conivente com a farsa do Sacopã - e eu disso não tenho dúvidas - , não o serão, por certo, todos os departamentos policiais do Brasil. E eu aproveito esta oportunidade para, através de “O Cruzeiro”, o órgão de maior penetração nas Américas, oferecer não só o retrato do criminoso, mas todos os elementos de identificação para a captura de Joventino. Convoco não só a polícia sadia de todo o Brasil para capturá-lo, como o próprio povo. Joventino será caçado do Acre ao Rio Grande, onde exisitir um policial decente e um cidadão honrado. Êle não passeará mais impunemente pelas ruas, enquanto Bandeira amarga entre as grades. Tenho certeza de que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não cruzarão os braços, diante de tão tremenda denúncia à Nação. E posso garantir que já senti o apoio das três armas. Do próprio Ministro da Justiça, meu amigo Doutor Armando Falcão, que me prometeu irrestrito apoio e solidariedade, bem como grandes chefes militares, com quem conversei sôbre o asunto.

Ubiratan: - Tenório, você conversou 6 horas com Bandeira, durante os dois encontros que teve com êle, no cubículo 21. Qual a sua conclusão sôbre o rapaz?

Tenório. - Encontrei Bandeira reduzido a uma palha. Um trapo, uma reminiscência de homem. Desiludido, descrente, tendo nos lábios um travo de desespêro e dois olhos para chorar. Algumas frases suas não me sairão da memória: "Excelência (êle me tratou assim), já sofri demasiado, faltam-me fôrças para resistir a tamanha monstruosidade. Preferia mais 15 anos de cadeia a fazer chorar a minha mãe. Ela sofre das coronárias. Se algum dia eu sair daqui, não deixarei minha mãe fazer nada em casa. Andarei com ela nos braços".

Ubiratan: - Eu vi Bandeira com os olhos molhados. Foi, aliás, a primeira vez que o vi assim, em compasso de lágrimas. Mas não pensei que, a sós com você, êle tivesse uma crise profunda de chôro. Isto foi mesmo verdade?

Tenório. - Bandeira chorou a cântaros. Seu corpo estremeceu com soluços fundos. Aconteceu quando êle falou da sua mãe, Dona Risoleida. Chorou também ao sentir que sairá da cadeia não por favor judicial (o indulto, que lhe foi agora negado), mas por inexistência de culpa e existência de culpa por parte dos verdadeiros autores.

Ubiratan: - Você chegou a sentir, como homem experimentado que é, a personalidade íntima de Bandeira?

Tenório. - Em verdade é um tipo esquisito, homem de pouca fala, com a mentalidade bitolada pela disciplina dos quartéis, atrofiado por educação ortodoxa, e com uma alma em tumulto pelo traumatismo moral de que foi vítima, com raciocínio desordenado pela prisão celular - de homem que se sente sem saber externar, que quer sem saber dizer, com o neuropsiquismo alterado pela desorganização espiritual em que vive. Desconfia de tudo e tem mêdo de todos. É incapaz de confiar cegamente em alguém, tal é o desgaste de 7 anos e 2 meses de decepções, desgaste da perversidade dos homens.

Ubiratan: - Bandeira contou a você algum fato novo? Algum segrêdo revelador?

Tenório. - Sim, segredos que se harmonizam com o ritmo das provas de que disponho e do meu raciocínio, tudo em perfeita cadência com sua inocência. Êle me deu elementos, extraprocesso, que servirão como fôrça aglutinadora para o debate judicial, que terá de ser reiniciado à base da verdade até hoje não revelada.

Ubiratan: - Tenório, você conhece o processo Bandeira?

Tenório. - Conheço, sim, mas foi tempo perdido conhecê-lo. Tenho elementos que tornam inútil voltar aos autos, a não ser para buscar laudos periciais. O processo é um monturo de coisas feitas, preparadas à moda da casa. Representa uma acusação, sim, um tremendo libelo, mas contra quem o urdiu, contra os seus autores. Êle me servirá, apenas, para jogar na cadeia os que contribuíram para a condenação de Bandeira. E ainda que êstes escapem de processos, não escaparão do desprêzo público.

Ubiratan: - Você irá, sòzinho, encampar a luta para a revisão criminal do processo Bandeira?

Tenório. - Sòzinho? Você não acha a palavra pequena? Estarei com a opinião pública nacional, com a dos quartéis, a da Justiça com J maiúsculo. Até mesmo os que participaram do processo, e erraram sem dolo, erraram porque desconheciam a verdade, estarão comigo. Quanto ao encaminhamento processual da revisão, êste já está em mãos limpas, já priva de consciência pura. Refiro-me ao jovem Advogado Odir Araújo, môço de integridade profissional à prova de subôrno. Êle está cuidando da revisão.

Ubiratan: - E você, como deputado, que pretende fazer?

Tenório. - O que eu já estou fazendo: um requerimento de informações ao Ministro da Justiça, cuja cópia passo às suas mãos. E muitos outros que pretenderei fazer, até que a verdade rebente, fulgurante, consagrando uma vitória para a Justiça e confundindo os seus traidores




Fonte:O Cruzeiro - 12 de setembro de 1959.Memória Viva

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Fonte : UNESP

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