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Maceió AL - -

O Tempo como medida e sofrimento (Nilson Moraes)

O TEMPO como medida e sentimento

“Este é tempo de partido, Tempo de homens partidos”

Carlos Drummond de Andrade




NILSON ALVES DE MORAES*



Antes mesmo dos cientistas pós-modernos (aqui usado como um simpático e utilitário adjetivo], o poeta anunciava

As armadilhas e danações de um tempo e de uma condição.

Não apenas um poeta: outros poetas, artistas e intelectuais apontaram para situações que os domados pelas lógicas disciplinares e institucionais eram desinteressados e impedidos em ver, compreender ou analisar. No Museu Internacional de Relojoaria, há uma inscrição: "No princípio era o tempo. Depois surgiram os objetos inventados para domá-Io". Esta frase, com outras palavras, é uma idéia fundamental no Ocidente capitalista. Nesta frase está presente uma dimensão mágica, religiosa, disciplinar e fatal. O tempo histórico é tempo arbitrário, um tempo pactuado pelo campo dos poderes que demonstra a relação da humanidade com uma unidade: o ano, as décadas, os séculos, as eras.Enquanto a História afirma um tempo plural e mutável, a física demonstra que as medidas foram se tornando crescentemente precisas, partiram do atraso mecânico à precisão atômica. O tempo do homem partiu do domínio dos astros e das estações para a instantaneidade das tecnologias. O tempo social e o tempo da física se encontram e desencontram em dramáticos efeitos culturais e simbólicos no século XIII.

O tempo histórico é principalmente um tempo cronológico [calendários e datas], considerado numa referência a algum evento ou personagem a que se atribui uma importância ou significação dos processos envolvidos. Este tempo produz uma lógica, uniformidade ou regularidade, institucionaliza e fala das especificidades culturais e relacionais.

O tempo social dominante é aquele que permite a uma sociedade cumprir os atos e condições para a produção e reprodução dos meios que garantem sua sobrevivência e condições de existência. Estrutura uma razão funcional, um discurso e regras sobre a estrutura, que se pretende original e fundamental para os homens e para a História. Este tempo possibilita a criação, manifestação, realização e atualização de valores fundamentais, ações e orientações que produzem sentidos e garantem a possibilidade de transmissão do modo de ser, de agir, de atribuir significados, fazendo valores serem compartilhados, constituindo modos de vida e tipos de relações e sociabilidades. No Ocidente, esta sociedade foi estruturada com maior ênfase, a partir do século XX na lógica do trabalho. Naquele tempo, entre os sinos das igrejas e os relógios, dava-se a disputa para organizar a vida humana e social.

A idéia de trabalho produzida no capitalismo orientou estas sociedades e a vida de gerações.O tempo da produção capitalista é diferente do tempo da natureza. No momento em que este paradigma se encontra em crise, a desestruturação da sociedade se apresenta com maior possibilidade e a insatisfação do homem e dos grupos sociais, uma tragédia cotidiana.

O ideário e a cientificidade impostos no Ocidente apresentaram e impuseram uma idéia de tempo como construção de progresso, como fenômeno inevitável e exemplar. A crença numa intervenção racionalizadora promovida pelo planejamento constitui a expressão máxima de um controle racional sobre os processos sociais. Esta crença configura, também, a possibilidade da construção de um projeto social, seja um projeto coletivo ou individual, operando na orientação das condutas humanas a partir do momento em que o futuro passou a ser prefigurado, almejado, buscado segundo crenças coletivas e orientações facilitadas pelas diferentes disciplinas e sistemas sociais de produção e tecnologias. Uma sociedade capaz de orientar ou produzir o seu futuro, a sociedade moderna valoriza o seu passado e o seu presente. O futuro é uma meta e exige uma estratégia em que o indivíduo possa ser configurado por uma ação histórica. Uma sociedade que não pretende ou reconhece o tempo desconhece o passado, o presente e o futuro.

A sociedade que emerge deste projeto é também uma ameaça. A resposta conhecida é a garantia da democracia e da subjetividade. A ação humana produz paradoxos. Coletivo e indivíduos em relações tensas e contraditórias num processo de trocas, negociações e mútuas influências. No processo de resgate e produção das memórias, benjaminianamenre, passado e futuro no singular e no plural - se encontram, se produzem no tempo e nos tempos de agora, e demonstram que sua existência homogênea não existe.

Um tempo que eu estudo é aquele que afirma permanências e transformações, e pode ser apreendido por campos disciplinares ou por olhares distintos e concorrenciais de um mesmo campo. Um tempo que o historiador Fernand Braudel (1902-1985) demonstrou ser histórico. Mas um tempo não é só histórico, é também físico, como demonstrou o químico russo Ilya Prigogine(1917-2003), ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1977 Mas o tempo não é só um fenômeno da História e da Física. Para o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007), o tempo histórico foi derrotado na segunda metade do século xx. Para ele, estamos condenados ao tempo real. E, no tempo real, não se trata mais de comprovar nada. Segundo Braudrillard, "o tempo real é um gênero de buraco negro onde nada penetra sem ser esvaziado de sua substância".

Condenados ao tempo, ao contrário de Baudrillard, vivemos e criamos esse tempo, nesse tempo e por um tempo. O tempo real não esgotou a História; ao contrário.Nem a aceleração do tempo nem a globalização esgotaram o tempo. Mas, qualquer estudioso sabe que a aceleração também pode produzir a paralisação.O século XX acelerou as vidas e a própria História, produziu ou possibilitou outros tempos.lmpactou diferentemente homens e culturas.

Na verdade, este debate não é recente ou se basta em si. O professor Ciro Flamarion, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma ser provável que "a noção de espaço tenha sido percebida pelos seres humanos antes da de tempo". Os espaços urbano, suburbano, rural, global ou planetário são elementos fundantes de qualquer debate. Não vivemos um tempo qualquer e um espaço qualquer. Não ansiamos por um tempo e um espaço qualquer. A cultura produziu intervenções que ajudam a domá-Ios ou usá-Ios com objetivos individuais e coletivos. Isto um historiador não precisa mais de cinco minutos para demonstrar.

O antropólogo francês M.Augé demonstra que o tempo atual é marcado pela superabundância de eventos e vivências.As mudanças lentas até o XX foram substituídas pela simultaneidade das mudanças e do envelhecimento do indivíduo, permitindo que diversas gerações possam conviver/coexistir simultaneamente. Para Augé, a superabundância do tempo do mundo e também dos indivíduos é característica do que denomina de supermodernidade. Novas tecnologias, novas condições de vida, complexificação e difusão dos meios de comunicação fazem parte de um único processo. Convivemos, como Auge e o historiador francês Pierre Nora demonstraram, diante do "retomo do acontecimento". Eles são tantos e simultâneos - para a alegria dos neoevoluciostas - que o tempo aparentemente perdeu a sua capacidade de produzir sentidos e nexos lógicos. Desta forma, idéias que organizaram disciplinas científicas e estilos de vida, como passado, presente e futuro, perdem sentido como esclarecimento e como orientação de conduta. Passado, presente ou futuro são dimensões simultâneas do agora e do imediato. Eles convivem e se organizam num único momento .e processo.Passado, presente e futuro são possibilidades ou construções de um mundo em evolução.b. A ciência histórica, e com ela todas as ciências humanas e sociais que abraçaram o sujeito coletivo, mesmo para as gerações compromissadas com a dialética, não é mais apontada necessariamente como·o lugar privilegiado de esclarecimento de uma época". Nas reflexões sobre o tempo, as convicções sobre o progresso são atingidas. A discussão sobre o tempo revela e oculta sentidos, estratégias, interesses e modos de ver, sentir e atuar.

O tempo da produção, o dos sentidos e o da ciência são tempos, tempos vigorosos, mas não únicos. Nosso poeta, nossos poetas, nossos artistas e aqueles que observam e vivem a vida em seu cotidiano sabem disso.

O tempo não é nenhum mistério, mas no tempo cabem muitos mistérios, sentimentos, desejos, afetos, processos_.



*Nilson Alves de Moraes é professor do Depto. de Saúde da Comunidade do Instituto Biomédico do
Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio e Professor do CEBELA

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