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ARAPONGAS DO SENADO RASTREIAM ATÉ E-MAILS : OS SUPERPODERES DA POLÍCIA DO SENADO


Autor(es): » Josie Jeronimo » Alana Rizzo
Correio Braziliense - 29/11/2011

A terrível polícia secreta que tudo podia, a KGB, desapareceu com a extinta União Soviética. Mas fez escola. No Brasil, já se sabia da controvertida autorização para que a Polícia Legislativa do Senado usasse armas letais, abrisse e conduzisse inquéritos, utilizasse equipamentos de espionagem de última geração... Agora, sabe-se também que conta com poderes não conferidos nem mesmo à Polícia Federal, como a de espionar dados pessoais trocados por usuários da internet da Casa, mesmo sem a concordância da Justiça. A brecha, aberta por ato da Primeira-Secretaria do Senado, é criticada pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. "A quebra do sigilo de dados somente é possível mediante ordem judicial", observa. O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, também aponta abusos. "É lamentável que o parlamento queira estabelecer esse tipo de arapongagem", argumenta



Além do uso de armas de fogo e de atribuições como efetuar revistas e prisões, servidores responsáveis pela segurança da Casa agora podem acessar e-mails pessoais de funcionários e até mesmo de parlamentares



Um ato da Primeira-Secretaria do Senado abriu brecha para a Polícia Legislativa acessar informações trocadas por usuários da internet da Casa sem precisar de ordem judicial para monitorar os dados. Com o argumento da apuração de irregularidades, o artigo 10 do Ato n° 14, de setembro de 2011, confere aos agentes o poder de mobilizar o Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado (Prodasen) em busca de informações sobre dados de navegação dos internautas — incluindo os parlamentares.

O acesso a dados pessoais soma-se a uma série de prerrogativas que a Polícia Legislativa adquiriu ao longo dos últimos oito anos. A lista inclui o uso de armamento letal, a abertura e a condução de inquéritos e a utilização de aparelhos de contraespionagem (veja quadro).

As regras de utilização que atribuem "níveis adequados de confidencialidade" à rede do Senado preocupam os servidores. Funcionários temem que os computadores da Casa sejam alvo da rede de monitoramento, que inclui sofisticados equipamentos para varrer todas as frequências emitidas nas dependências do parlamento em busca de escutas, como mostrou o Correio na sexta-feira.

A assessoria da Casa alega que o ato "é baseado nos parâmetros legais da Casa, amparado por diplomas legais da Constituição e dos tribunais superiores". O acesso a informações da utilização da internet por servidores e usuários credenciados do Senado é embasado, ainda segundo a assessoria, em entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que concede às empresas o direito de monitorar o e-mail corporativo dos funcionários.

O assunto, no entanto, provoca grande polêmica entre os magistrados. Uma corrente de estudiosos sustenta que o monitoramento de e-mails corporativos configura assédio moral, e que é impossível acessar os dados estritamente empresariais sem esbarrar em informações pessoais. Já os defensores da transparência das correspondências corporativas afirmam que o sistema pertence à empresa provedora e escapa da esfera privada.

No entanto, o objetivo do Senado de elencar na lista dos poderes da polícia a missão de usar dados do suposto "mau uso" da internet em investigações internas é questionado. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), analisa que a discussão sobre o acesso aos dados de e-mails corporativos de funcionários ainda é ambígua, mas afirma que, a despeito do ato interno, a Polícia do Senado não tem poder para acessar informações da navegação de um usuário a fim de realizar investigação sem ordem judicial.

"A Polícia Legislativa tem outras atribuições, outros encargos um pouco mais relevantes do que esse, que seria praticamente bisbilhotar a utilização da internet por um servidor. A quebra do sigilo de dados somente é possível mediante ordem judicial, mesmo assim, específica, para investigar sob o ângulo penal. Não cabe à Polícia Legislativa essa atuação", argumenta Mello. Até mesmo na suspeita de que um servidor estivesse usando a rede da Casa para trocar imagens de pedofilia, o policial legislativo precisaria de uma ordem judicial, acrescenta o ministro.

"Arapongagem"
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirma que as polícias legislativas foram criadas como mecanismo de proteção dos parlamentares e estão extrapolando o campo de atuação. "A atuação da Polícia Legislativa é limitada ao âmbito do parlamento. Não pode fazer investigações, sob pena de estar invadindo uma área que não é dela. É lamentável que o parlamento queira estabelecer esse tipo de arapongagem. É o Estado cada vez mais dentro da casa do cidadão, bisbilhotando, na maioria das vezes, sem parâmetro legal."

Atribuições
Confira as prerrogativas que os servidores que exercem a função de proteção do parlamento ganharam a partir de 2004:

Armas de fogo e de choque
A Polícia Legislativa pode portar armas.

Rastreamento
Os agentes foram treinados para operar maletas utilizadas para varrer escutas instaladas nas dependências da Casa.

Monitoramento de e-mail
Os servidores têm o direito de solicitar dados de utilização da internet do Senado ao Prodasen.

Revista, busca, apreensão e detenção
Decisão do Congresso deu às polícias legislativas poderes "inerentes à polícia".

Inquéritos e sindicâncias
A Polícia Legislativa faz investigações, apesar de os dados apurados não apresentarem valor legal.

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