Profissionais da saúde não cumprem lei e ainda andam de jaleco pelas ruas

Prestes a completar dois meses, a lei paulista que proíbe os profissionais da saúde de usarem jalecos ou aventais fora do ambiente de trabalho é ignorada na capital. É o que constata uma reportagem do Jornal da Tarde, veículo de comunicação que percorreu sete hospitais particulares e públicos e flagrou em todos eles o descumprimento da regra, que ainda está sem regulamentação. Pesquisas recentes no Estado de São Paulo indicaram a contaminação por micro-organismos relacionados a infecções respiratórias, cutâneas e gastrointestinais em 95% dos jalecos médicos.

Foram vistos fumando, comendo, falando ao celular e circulando no entorno dos estabelecimentos vestidos com os jalecos funcionários das seguintes instituições: Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Hospital Israelita Albert Einstein, na zona sul; Hospital das Clínicas (HC), na zona oeste; Hospital do Mandaqui, na zona norte; e Hospital Santa Izabel, Hospital Sírio-Libanês e Santa Casa de Misericórdia, na região central. Procuradas pela reportagem do Jornal da Trade, as instituições informaram que iniciariam campanhas para discutir o assunto com seus funcionários.

Quando a lei foi sancionada, em 8 de junho deste ano, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que seu objetivo era evitar que o vestuário agisse como fonte de contaminação em vez de funcionar como barreira de proteção e segurança. A justificativa divide as opiniões dos conselhos regionais de Medicina (Cremesp) e de Enfermagem (Coren-SP), ouvidos pelo JT.

Mas, enquanto a Secretaria de Estado da Saúde não define como será feita a fiscalização da norma, a "regra não é autoaplicável", explica Sérgio Resende de Barros, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Essa foi, aliás, a justificativa usada pelos profissionais da saúde flagrados pela reportagem desrespeitando a norma.

"Conheço a lei, mas ela não tem fiscalização. É regra só no papel", acredita Miguel Samarta Junior, de 36 anos, auxiliar de enfermagem. "Sei da existência e também estou ciente de que ainda não há controle", diz um médico do HC, que preferiu não se identificar.

Punição de dez Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESP) - o equivalente a R$ 174,50 - é o que está previsto para médicos, enfermeiros ou auxiliares que usarem os 'equipamentos de proteção individual' fora dos ambientes hospitalares, clínicos ou de laboratórios. Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

"Tendo em vista que é uma lei punitiva, que agrava o patrimônio do autuado, é preciso definir alguns pontos indeterminados", diz Barros. Segundo ele, a lei estadual nº 14.466 não especifica quais são os "ambientes fora do trabalho" proibidos para a circulação com jalecos e os "equipamentos de proteção individual" que não devem ser expostos. "Isso deve ser especificado por decreto."

A regulamentação da lei, contudo, não tem prazo para ocorrer. Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Saúde afirmou apenas que "irá promover a normatização da lei, a fim de estabelecer a forma de fiscalização, bem como da aplicação de multas e locais fiscalizados. Atrelado a isso, a pasta irá promover campanhas educativas de conscientização junto aos hospitais, profissionais de saúde e entidades representativas do setor, ampliando o diálogo com a classe."

Não há consenso sobre a lei entre Cremesp e Coren

A 'lei do jaleco' divide opiniões dos conselhos regionais de Medicina (Cremesp) e de Enfermagem (Coren-SP). "Acho completamente absurdo expor o paciente ao risco de contaminação", afirma Claudio Alves Porto, presidente do Coren-SP. Essa posição é questionada por Renato Azevedo Junior, presidente do Cremesp. "Não existe comprovação científica de que o jaleco ou qualquer outro objeto possa ser um canal de contaminação."

Para Junior, a lei é "alarmista e demagógica". "O que me espanta é como um governador, que é médico, tenha sancionado uma regra dessas", critica. Já Porto, acredita que a legislação "até demorou para ser sancionada". Segundo ele, "é uma discussão de cidadania."

O presidente do Coren-SP afirma ainda que, desde 2005, existe uma norma do Ministério da Saúde que orienta médicos, enfermeiros e auxiliares a não usarem seus equipamentos de proteção fora do ambiente de trabalho. "Mas como se trata de portaria, não tinha a força de lei no Estado de São Paulo", diz.

Mesmo o Cremesp, ainda que contrário à regra, ressalta que também não recomenda o uso das peças em ambiente público. "Mas por uma questão de higiene e não por comprovação de que possa causar mal aos pacientes", afirma Junior.

Os representantes dos dois órgãos defendem um trabalho de conscientização com os profissionais. "Para que a lei seja cumprida e não fique apenas no papel", diz Porto. Ou para ressaltar a importância da higienização das mãos. "Isso seria mais efetivo. Há comprovação de que as mãos são um canal de contaminação", defende o Cremesp.

Já o governador Geraldo Alckmin, ao falar sobre a lei, em junho, argumentou que a lavagem das mãos é complementar à 'lei do jaleco'. "Além de lavar as mãos, toda a lógica do avental é preservar a saúde do paciente. Preserva o paciente, já que o profissional que vem da rua traz micróbios; preserva também o profissional, que tem contato com o paciente; e preserva a população. Não tem sentido alguém com jaleco, que está no laboratório, lancetando uma ferida purulenta, ir depois para um restaurante almoçar, com o mesmo jaleco."

Estudos apontam contaminação

O potencial do jaleco como possível veículo de transmissão de micro-organismos foi apontado em pelo menos dois estudos recentes. Um deles foi divulgado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), câmpus de Sorocaba, no fim do ano passado.

Das 96 amostras de aventais analisadas, 95,83% apresentavam micro-organismos. Entre eles estava a bactéria staphilococcus aureus, considerada um dos principais agentes de infecção hospitalar. No início deste mês, um outro estudo, feito pela Faculdade Veris, em Campinas, também apontou a contaminação nos aventais. Entre os micro-organismos frequentes estavam: estafilococos coagulase negativa, streptococcus sp, bacillus gram, diplococos gram negativos e bolores.

"Esses micro-organismos podem ocasionar infecções cutâneas, respiratórias, problemas gastrointestinais e até mesmo problemas mais graves se caírem na corrente sanguínea", diz a microbiologista Rosana Siqueira dos Santos, responsável pela pesquisa da Veris.

Fonte: Jornal da Tarde

Leia outros artigos :

Postar um comentário

0 Comentários
* Por favor, não faça spam aqui. Todos os comentários são revisados ​​pelo administrador.