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A saga da Sociedade de Medicina de Alagoas



Agatângelo Vasconcelos *

No início do século XX, a Medicina solidificaria as suas bases científicas a partir das profundas mudanças sociais ocorridas no século anterior. De fato, o século XIX produziu transformações radicais na estrutura da sociedade humana, muito além do que havia acontecido nos mil anos anteriores. A revista “MÉDICOS”, em edição especial, de dezembro de 1988, mostra como a Revolução Industrial, que começara no século XVII, alterou as relações sociais de forma intensa e definitiva Desapareceram os resquícios do Feudalismo e do Despotismo, assim como, aos poucos, a terrível lentidão dos meios de transporte e de comunicação. Saíra-se dos tempos dos navios à vela, dos mensageiros a cavalo e da iluminação precária, para a era das embarcações movidas a vapor e, logo após, a motores por combustão. O século XIX trouxe-nos o telégrafo, o telefone, o rádio, as grandes ferrovias, a lâmpada elétrica, o automóvel e muitos outros progressos. Merecidamente, recebeu a denominação de Era Industrial.

Enquanto as terapêuticas médicas não incorporaram modificações significativas no século XVIII, a Medicina dos cem anos seguintes evoluiria de maneira sem precedentes, especialmente após o advento da anestesia e da assepsia, descobertas em decorrência das experiências clínicas da Horace Wells, Semmelweis e Lister: Abandonaram-se, progressiva e lentamente, as flebotomias e os cataplasmas (mas que subexistiram até meados do século XIX, veja-se o episódio em que Paula Mariana, princesa brasileira filha de D. Pedro I, nos 23 dias que antecederam a sua morte, com febre e convulsões, foi submetida à ação de quarenta sanguessugas, onze vesicatórios, oito cataplasmas e sete clisteres, prescritos pelos médicos da corte imperial, dedicados, à sua cabeceira!) e partira-se para intervenções cirúrgicas cada vez mais ousadas e mais eficazes. Já as grandes epidemias que tantas vezes dizimaram exércitos em campanha e acabaram com populações urbanas inteiras, tais como a peste, a malária, a varíola, o cólera e o tifo, haviam ensinado aos médicos e aos governantes a importância do saneamento básico e das medidas profiláticas em geral. Igualmente, a revista “MÉDICOS” cita que, em nosso país, em 1900, pontificavam a Faculdade de Medicina, Farmácia e Odontologia da Bahia e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, porém poucas eram as instituições voltadas para a pesquisa científica. Homens como Adolfo Lutz, microbiologista, e Emílio Ribas, sanitarista, publicavam em revistas estrangeiras, porém isto era fruto mais do labor individual do que de uma estrutura educacional capaz de produzir cientistas. Contudo, figuras exponenciais como a do médico positivista Luiz P. Barreto, que liderava, em São Paulo, o sanitarismo, traziam reflexos médico-sociais para todo o Brasil.

Em Alagoas, ultrapassada a primeira década do novo século, o número de médicos era ainda inferior ao de farmacêuticos, situação esta que permaneceria até o início dos anos trinta. De fato, só a partir de 1931 os avanços técnicos e científicos que possibilitaram ao médico uma intervenção mais eficaz, modificando o curso das enfermidades humanas, levaram a uma superioridade numérica dos esculápios em relação aos farmacêuticos, em nosso Estado. Por outro lado, a crescente industrialização levou ao quase desuso das fórmulas magistrais, apanágio do antigo boticário. Durante as cinco décadas iniciais do século XX era esmagadora, bem assim, a maioria de homens exercendo a Medicina em detrimento do número de mulheres que laboravam na nobre profissão. Veja-se, a este propósito: até 1936, inscritos no Livro de Registros da Inspetoria de Higiene Pública de Alagoas, estavam cento e quatorze profissionais da Medicina, dos quais apenas duas eram do sexo feminino. Aliás, a primeira médica a registrar o seu diploma no citado livro, foi a Drª. Maria José S. Lages, fato ocorrido no dia 11 de fevereiro de 1932.
Enfim, as acentuadas transformações econômicas e sociais acontecidas a partir da segunda metade do século XIX, as quais se acentuaram no transcorrer das décadas iniciais do século XX, modificaram o perfil social do médico e o panorama assistencial da sua profissão.

É neste contexto que surge e se solidifica a Sociedade de Medicina de Alagoas.
I - A FUNDAÇÃO DA SOCIEDADE DE MEDICINA E SUA REORGANIZAÇÃO APÓS INTERVALO.
Inicialmente, valemo-nos de uma monografia escrita pelo Professor Luiz da R. Sampaio, da qual transcreveremos alguns trechos “ipsis literis”. Este trabalho, intitulado “Sociedade de Medicina de Alagoas, alguns dados de sua história,” veio a lume em 1977, sendo importante repositório de nossa memória médica.
“A Sociedade de Medicina, que este ano completará 60 anos de existência, tem na sua trajetória histórica, como entidade científico-cultural e aglutinadora da classe médica em nosso Estado, a assinalar muitos fatos interessantes, que pensamos relatar como um meio de homenageá-la, resgatando sua memória.

Sua fundação resultou de uma sugestão do então governador do Estado, Dr. Fernandes de B. Lima (1915-1918), à classe médica alagoana, no sentido de que se criasse uma Sociedade Médica de natureza científico-cultural e que servisse, também, de marco relevante nas festividades comemorativas do Centenário da Emancipação política e administrativa de Alagoas, acontecimento cívico que marcava de modo indelével a história de nossa terra naquele ano de 1917. Assim é que, após uma convocação feita através de edital à classe médica pelo inesquecível Dr. José A. Duarte, conceituado médico que gozava de prestígio entre os seus colegas e também no meio da Sociedade Alagoana, três (03) sessões históricas foram realizadas, surgindo, assim, a nova entidade. A primeira, Sessão Preparatória reuniu, em 14 de Agosto de 1917, numa das salas da Repartição de Higiene Pública, situada à Rua Conselheiro Lourenço de Albuquerque nº 55, os onze primeiros médicos, os pioneiros, que responderam pressurosos àquela convocação. A Sessão foi presidida pelo mesmo Dr. José A. Duarte e secretariada pelos Drs. Zacarias de A. Araújo e Afrânio A. de Araújo Jorge, constituindo-se como Diretoria Provisória a mesa que dirigiu os trabalhos”.

Procurando complementar o registro acima, passamos a citar, nominalmente, aqueles onze pressurosos pioneiros, como tão bem os qualifica Luiz Sampaio. Eram eles: José A.Duarte, Luiz Joaquim da C. Leite, Manoel de S. Marques, Zacharias de A. Araújo, Armando A. Vaz e Silva, Artur S. Costa, Clemente M. da Silveira, José A. de Carvalho Gama, José C. de Albuquerque, Osvaldo Sarmento e Afrânio A. de Araújo Jorge.

Voltemos ao texto referenciado:
“À segunda, conhecida como Sessão de Fundação, sessão de assembléia geral, compareceram 44 (quarenta e quatro) profissionais da área da Saúde, entre Médicos, Farmacêuticos e Cirurgiões Dentistas. Foi realizada, no mesmo local da primeira em 13 de setembro de 1917, e na qual foi escolhido e aprovado o nome para a nova entidade médica, Associação Médico-Cirúrgica de Alagoas e procedida a eleição de sua primeira diretoria efetiva. A terceira (3ª), ou Sessão de Instalação, teve caráter solene, sendo realizada no Instituto Arqueológico e Geográfico de Alagoas, a 17 de setembro de 1917, empossando a nova diretoria eleita, e para todos os efeitos considerada sessão de fundação, Presidente: Dr. Luiz Joaquim Costa Leite, assessorado por um vice –presidente, o Dr. Manoel Sampaio Marques, um 2º vice -presidente, 1º, 2º secretários, tesoureiro, e bibliotecário.

Também referimos como de valor histórico as três (3) primeiras comunicações científicas que mereceram discussões acaloradas em suas sessões ordinárias. A primeira, em 1º de maio de 1918; a segunda, em 17 de junho de 1918; e finalmente a 3ª comunicação que constou de um caso de uma “laparotomia, para extração, com êxito, de uma tumoração abdominal (teratoma? cisto?)”, pesando 5.300 gramos.”
Continuemos a transcrever a monografia de Luiz Sampaio:

“De 1917 a 1919, a Associação Médico-Cirúrgica funcionou normalmente; recebeu seus primeiros sócios, apresentou seus primeiros trabalhos científicos, promoveu sessões para eleições de novas diretorias, seguindo assim os objetivos para os quais foi fundada. Entretanto, após esse período de profícua atividade, desenvolvida, ora naquela mesma Repartição de Higiene Pública onde foi fundada, ora no Hospital de São Vicente da Santa Casa de Misericórdia, para onde foi transferida, interrompeu suas atividades por um período bastante longo, que se estendeu até 11 de fevereiro de 1928, quase 10 anos desde a sua fundação, quando foi reorganizada, tomando, então, um nome novo, o de Sociedade de Medicina de Alagoas.” Por outro lado, pesquisa realizada por Heider Lisboa de Sá Júnior e relatada em seu livro “Sociedade de Medicina de Alagoas” – 90 anos”, evidencia que a entidade teve outro hiato em seu funcionamento: “...funcionando por alguns anos e depois desativada (1923). No ano seguinte, em junho de 1924, por iniciativa do médico Álvaro de Carvalho, foi reorganizado, passando a se denominar Sociedade de Medicina e Cirurgia de Alagoas, sendo eleito José Carneiro de Albuquerque. No entanto, como anteriormente, somente funcionou por pouco mais de um ano, encerrando as suas atividades”.

O que acontecera para interromper o funcionamento de uma instituição tão bem nascida, por duas vezes, e por tanto tempo? Será que apenas ultrapassadas as comemorações de 1917, arrefeceu o entusiasmo cívico e o progresso social em nosso Estado? Ou terão as trágicas ocorrências da I Guerra Mundial, na dilacerada Europa, mas com reflexos sobre a província alagoana, levado a aquelas indesejadas interrupções? O fato é que, somente após onze anos, naquele fevereiro de 1928, houve uma assembléia geral para reorganizar a entidade, que ganharia nova denominação: Sociedade de Medicina de Alagoas (SMA), “um rótulo moderno e mais simpático”, conforme a proposição de Joaquim Neves Pinto.

(*) É médico e escritor.

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