George Sanguinetti afirma:"A investigação sobre Isabella será reaberta”


ÉPOCA – Como o senhor entrou no caso Isabella?

George Sanguinetti – O escritório jurídico de Rogério Levorin, responsável pela defesa de Alexandre Nardoni, entrou em contato comigo por telefone mais de um mês depois da morte da menina. Eles me procuraram para ter o esclarecimento de alguns pontos. Como advogados, tiveram acesso às peças técnicas, mas não entendiam a linguagem dos laudos e nem algumas das informações que estavam saindo na imprensa, por exemplo a de que havia marcas de uma mão pequena, feminina, no pescoço de Isabella, que não estava no laudo do Instituto Médico Legal. Eu tinha uma atividade política aqui e sabia que o desgaste de aceitar o caso poderia ser grande. Antes de decidir, pedi oito dias para analisar os laudos técnicos, e foi quando encontrei algumas falhas. Eles me deram carta branca para convocar outros peritos. Chamei alguns peritos que não aceitaram, mas outros, sim.
ÉPOCA – O senhor afirma que há erros na interpretação dos laudos sobre a morte da menina. A que o senhor atribui os possíveis erros?
Sanguinetti – De repente, os colegas que fizeram a perícia no corpo da menina notaram que estavam diante de um caso grande, de muita repercussão, do qual a mídia queria, todos os dias, obter informações, e fizeram algumas confusões que são compreensíveis. Em seu trabalho, os peritos usaram uma técnica boa de coloração, que está sendo usada na Alemanha e nos Estados Unidos, e verificaram que no pulmão, nos rins e no fígado da criança havia uma embolia maciça. Descrevem que, no pulmão de Isabella, havia até fragmentos ósseos. Ora, sabendo disso, eles já poderiam prever que a menina tinha ficado cianótica, ou seja, arroxeada. A asfixia ocorreu não porque alguém apertou sua garganta ou bateu, mas porque, dentro do pulmão, a circulação estava obstruída por causa dos fragmentos das fraturas do ísquio e do rádio. É muito comum existir a embolia nesse tipo de fratura ou durante as manobras de ressuscitação. Meus colegas são pessoas capazes e têm muito tempo de experiência, mas acredito que, pela pressa, deixaram passar e pensaram em asfixia mecânica, o que nunca aconteceu.

ÉPOCA – A que documentos o senhor teve acesso para chegar a essas conclusões?
Sanguinetti – A tudo relacionado ao processo. O código de processo penal diz que o corpo é examinado diretamente no Instituto Médico Legal e indiretamente através dos laudos periciais, que devem conter a linguagem do cadáver. O cadáver fala e os legistas transmitem as informações para o laudo necroscópico que, sendo visto por qualquer legista de qualquer canto, vai ajudá-lo a verificar o que aconteceu. Além desses laudos, tive acesso ao acervo fotográfico. Fiquei com toda a parte relacionada ao cadáver, mas integro e chefio uma equipe multidisciplinar. Cheguei a acompanhar a revisão pericial no apartamento, mas me limitei às lesões do cadáver e às fragilidades das provas em meu lado. Agora, em nenhum momento, eu digo que o casal não é o culpado. Sou contratado pela defesa, sim, mas tenho total liberdade. No laudo do IML, consta a informação “vagina sem alteração”, mas, logo depois, coloca hímen com edema, inchaço, ruptura com esgarçamento no intróito vaginal, presença de equimose de 3 milímetros na fúcula vaginal e presença de uma equimose linear semelhante a dentes no períneo. Veja bem, são quatro lesões em redor da área e se coloca que a vagina não tem alteração. Isso é uma coisa perigosa porque, se eu associo essa colocação a uma testemunha que diz ter ouvido “pára, pai, pára, pai”, há uma possibilidade, uma pretensão, de que houve uma tentativa de violação que poderia ter sido praticada por A, por B ou por C. Veja a minha independência. Tanto que fui instado a não consignar isso, mas consignei.
ÉPOCA – O senhor quer dizer que pediram ao senhor para deixar esse dado de fora do seu laudo?
Sanguinetti – Eu diria pelo menos o seguinte: é uma coisa que poderia ser utilizada contra o Nardoni. Mas a minha total independência me garantiu que eu relatasse tudo. Veja bem o que tira o meu sono: estava Isabella, no dia da morte, com uma calça corsário e uma calcinha branca. Como é possível que as lesões de períneo que foram relatadas pelos colegas tivessem sido produzidas do contato do corpo com algum galho, alguma coisa, se a calça e a calcinha não estavam rasgadas ou perfuradas? Isso me tira o sono até hoje. Tanto que, na exposição que fiz em São Paulo, disse: procurem um pedófilo. Porque a tentativa de violar uma criança não se faz apenas com a penetração instrumental, mas também com toque pudico. Os colegas de São Paulo inclusive desconfiaram que a lesão linear tivesse sido causada por mordedura humana e tiveram o cuidado de chamar um odonto-legista para afastar essa possibilidade. Também relataram que não havia espermatozóide no antro vaginal. Eu digo que há respostas que eu gostaria de obter. Não faço imputação para nada, mas ainda acho que essa é uma linha de investigação a seguir. Se você fizer uma busca na internet por “atentado violento ao pudor” ou “tentativa de violação de criança”, vai ver que o tipo de lesão encontrada, como escoriação, edema traumático, era tudo o que Isabella tinha.
ÉPOCA – Essas lesões foram comprovadas?
Sanguinetti – Pelo menos estão comprovadas no laudo escrito pelos colegas legistas. Eu não acrescentei nada. As quatro lesões que numerei estão no laudo de meus colegas bastante descritas e elogio o trabalho de chamar um odonto-legista para checar se a lesão havia sido feita por mordedura humana, hipótese que foi afastada.
ÉPOCA – O senhor chegou a visitar também o apartamento de Alexandre Nardoni?
Sanguinetti – Visitei o local e permaneci lá por quatro horas. Ele ainda estava isolado porque a chave estava no fórum. Não foi feito aquele teste simples de limalha, que mostraria se havia sido usada uma chave nova. Uma chave diferente da usual iria deixar resíduos metálicos na soleira da porta. Eu não fiz porque não teria validade e, como trabalhava para a defesa, iam dizer que estávamos criando alguma coisa para ajudar o casal. Dentro, havia várias digitais no apartamento que não constavam do levantamento da polícia, principalmente nos vidros da janela de onde Isabella foi jogada e em outros locais que, no meu entendimento, deveriam ter sido rastreados. Não havia digitais na tesoura e na faca de cozinha que possivelmente foi usada para cortar a tela de proteção da janela.

ÉPOCA – Houve alguma investigação para saber de quem eram as digitais?
Sanguinetti – Isso foi encaminhado ao excelentíssimo juiz e, se ele entender que é necessário, fará com que a investigação tome o seu rumo. O laudo pessoal não tem valor jurídico. Nós apenas juntamos fotografias, ampliações e informações.

ÉPOCA – A investigação continuou depois da emissão dos primeiros laudos? A polícia está fazendo alguma coisa com relação ao caso Isabella?
Sanguinetti – Se alguma coisa está acontecendo, nós não temos conhecimento. O primeiro momento, o ferimento de Isabella dentro do carro, desapareceu. Isso porque o exame de DNA não comprovou que o sangue na cadeirinha e no banco era da menina. Não prosperou aquela cena de selvageria dentro do carro. Segundo, chamou-me a atenção que a dispersão do sangue na testa da menina tenha sido da esquerda para a direita. Como isso seria possível se ela foi carregada ferida? O sangue teria descido. Além disso, naquele percurso até o apartamento, os colegas não detectam presença de DNA. Eles encontraram uma manchinha na cama e uma no chinelo, com comprovação. O sangue, para ter vida jurídica, precisaria de uma confirmação de que é de Isabella. Isso quebra muitas alegações. Precisamos de prova técnica. Havia, por exemplo, uma fibra na tesoura “semelhante” à da tela de proteção da janela. Eu, em minha casa, tenho um laboratório de medicina legal e sou capaz de dizer se aquela fibra é igual ou não. Tem técnicas simples para dizer. Na Justiça, semelhança não é igualdade, não interessa. Tecnicamente, a tesoura não cortou a tela. O luminol mostra também que havia sangue na faca e na tesoura, mas ninguém foi ferido por esses objetos. Mas, se eram usados para preparar carne, não importa, mesmo anos depois, o luminol vai dar positivo. É um falso positivo.

ÉPOCA – O senhor esteve com o casal Nardoni?
Sanguinetti – Não, nunca tive contato com eles até hoje. Eles já estavam detidos e, no meu entendimento, o meu papel era analisar as peças técnicas.

ÉPOCA – O senhor diz que o caso Isabella ainda tira o seu sono. Por quê?
Sanguinetti – O casal, que não tinha nenhuma queixa, nenhum registro de maus tratos, de repente faz uma cena de selvageria. Estive no quarto de Isabella e é o de uma princesa, com TV de plasma, uma coisa linda, para uma criança que nem vivia lá, só passava dois dias por semana. Não consigo entender que pais, até então amorosos e protetores, que tinham passado o dia bem, como mostra aquela fita do supermercado, de repente cometeriam um ato desse tipo. Que lucro teriam com a morte de Isabella? Não tiro a imputação: se eles são culpados ou inocentes, o júri e a Justiça vão dizer. Mas, tecnicamente, há muitas falhas no arrazoado de imputação de culpa a eles. Não há nem nunca houve marca de esganadura em redor do pescoço e eu, um professor de medicina legal com 35 anos de profissão, tive que ouvir de um perito de São Paulo que pode haver esganadura sem lesões externas e internas. Está nos autos e foi dito frente ao excelentíssimo juiz. Isso é um absurdo, não pode acontecer. Tenho gravada uma entrevista de TV que mostra um perito dizendo que não houve esganadura. O atrapalho que houve foi interpretativo. Queriam mostrar, além do fato de a menina ser jogada, uma cena de selvageria da pior qualidade, que não tem consistência. É o caso da agressão dentro do carro, em que está descrito que o ferimento teria sido produzido “possivelmente” com uma chave. Que chave? Cadê a prova técnica? Para citar a existência, tem que mostrar o instrumento. Cadê o instrumento que fez aquela lesão? Se não apresentou nenhum, apresente como mais uma conseqüência da queda, do politraumatismo. Também não aceito o fato de que não houve fraturas da queda porque havia chovido, a terra não estava compactada e havia um gramado de dez centímetros. Tenha paciência! Isso é cartesiano e atinge o meu raciocínio.Colocaram que houve duas mortes, a primeira, de esganadura por asfixia mecânica. Nunca. E, depois, o politraumatismo. São erros. Além disso, colocam no laudo que foi uma “morte violenta”. Isso é redundância. Toda morte que vai para o IML não é natural, é violenta. Para colocar uma pena maior, também colocam “houve uso de violência devido à esganadura”. A violência foi feita em se jogar a criança do sexto andar.

ÉPOCA – O senhor levanta também uma dúvida sobre a origem das fraturas no corpo de Isabella. Como, em sua opinião, elas foram feitas?
Sanguinetti – Não admito que aquelas fraturas tenham sido produzidas dentro do apartamento. Qualquer professor de física pode dizer qual a energia necessária para aquele tipo de fratura. A de ramo de ísquio requer mais energia e nem que houvesse o Maguila, um homem com maior massa muscular, ainda assim precisaria haver a altura, que é uma constante na equação. Eu diria ser necessária uma energia acima de 1200, 1500 Joules, o que não seria possível dentro do apartamento. A outra fratura exige menos energia e poderia ter acontecido dentro do apartamento. Os peritos afirmam que Isabella estava inconsciente por conta da asfixia quando caiu. Mas essa fratura do rádio é típica de uma pessoa em atitude defensiva durante a queda. Ela estende todo o braço para tentar amenizar o impacto. Dentro do apartamento, não teria a fragmentação que houve, que demonstra uma grande impactação.

ÉPOCA – O senhor também levanta dúvidas sobre a segurança do Edifício London, onde morava Alexandre Nardoni. Por quê?
Sanguinetti – No muro de trás do edifício havia um terreno com uma construção em curso. Então nós entramos no prédio e o vigia não teve conhecimento de nada. Chegamos até a parede de uma churrascaria, depois vamos caminhando, passamos a piscina, pegamos a garagem e subimos, e o porteiro não percebeu, como reconheceu, em seu depoimento, que, à noite, ele não tem controle dos carros que chegam e saem. E, o mais importante, ele também disse que, no dia em que Isabella foi morta, a cerca elétrica não estava funcionando. Fiz questão também de ouvir o síndico, que diz que recebeu o tenente que fez a vistoria no prédio e que esta foi feita onde foi possível. Deixou de fora quartos que estavam fechados, que não responderam ao chamado. Foi uma vistoria feita, digamos assim, muito à vontade. Não houve uma pesquisa completa por parte daquele tenente que, coincidentemente, se suicidou depois por causa da ligação com uma rede de pedofilia. Algumas chaves ficavam no térreo porque o apartamento era novo, de fácil acesso, o que é também uma possibilidade a ser investigada pela polícia que, desde o início, declarou a autoria do casal sem que algumas coisas importantes tivessem sido feitas. Não se analisou a unha das pessoas presentes, por exemplo, e outros descuidos que, no meu entendimento, não deveriam ocorrer. No meu parecer, a área era e continua a ser vulnerável. Qualquer pessoa chega até a porta daqueles apartamentos sem dificuldade, ainda hoje.

ÉPOCA – Em sua entrevista a ÉPOCA, a delegada Renata Pontes fala sobre a frieza do casal ao chegar à delegacia depois da morte da menina. O que o senhor acha das afirmações da delegada?
Sanguinetti – A psiquiatria forense tem um capítulo que fala exatamente da personalidade, do perfil, mas essa análise é muito pessoal de quem está tendo contato com a pessoa. Eu não tive, exatamente, aquele respeito ao ler o parecer da doutora porque justamente prendo-me às peças técnicas. Ficaria muito feliz e encerraria até meus trabalhos se os legistas consertassem o que, no meu entendimento, faltou consertar. Não houve morte por asfixia mecânica e por politraumatismo, foi uma morte só. Mas, se corrigirem as questões técnicas, vem o outro lado da questão: o casal é solto imediatamente porque cai o motivo da imputação, que é a esganadura. Anna Carolina Jatobá, pelo menos, foi denunciada por causa da esganadura e, se ela deixar de existir, deixa de existir uma motivação para a prisão. Mesmo se eles decidirem pela permanência da esganadura, teria que ter sido feita por um canhoto, e nem Anna Carolina nem Alexandre são canhotos. Porque, no pescoço de Isabella, era possível notar um sangramento na camada muscular na região do pescoço do lado esquerdo, que seria deixada por alguém canhoto. Mas, na minha opinião, a lesão se explica pela queda, já que Isabella caiu de barriga para cima. A mancha roxa que eles confundiram com esganadura é resultado da queda. E, mesmo se a esganadura fosse real, ela teria que ser feita por um sinistro, alguém que usa a mão esquerda.

ÉPOCA – O que senhor pensou antes de aceitar trabalhar no caso?
Sanguinetti – Pensei porque, anos atrás, fui crucificado no caso PC Farias, em que toda a mídia estava a meu favor. No dia em que PC e Suzana foram mortos, quando o secretário de Segurança Pública e o secretário de Justiça declararam que foi um crime passional, eu disse que tinha sido um duplo homicídio. Isso está gravado. Fui perito oficial indicado pelo Ministério Público e nomeado pelo juiz titular da segunda vara criminal para proceder uma revisão técnica convocando quem eu quisesse. Procedi o meu trabalho e hoje é duplo homicídio e a única pessoa que foi presa ou condenada pela morte de PC Farias fui eu. Foi-me dada uma pena de dois anos por eu ter me manifestado sobre o caso antes de ele ter sido transitado em julgado que, logo depois, foi cancelada. Nesse caso todo o Brasil estava a meu favor e sou respeitado até hoje por causa disso. Muitas pessoas dizem que eu sou polêmico, mas eu não trabalho para agradar. No caso Denise Piovani, de 1996, por exemplo, que transita em segredo de Justiça, afirmo que uma mulher não se mata dando um tiro no rosto. Procuradora de Estado com um salário muito bom, comete suicídio com uma Glock atirando na face? A mulher, até na hora da morte, preserva a beleza. O caso estava arquivado há dois anos como suicídio quando fui contratado pela família. O juiz decidiu pela nossa tese de que houve homicídio e indiciou a pessoa que estava na companhia dela, que eu deixo de citar porque o processo está em sigilo de Justiça.

ÉPOCA – Como é estar do lado contrário a da opinião pública?
Sanguinetti – As pessoas muitas vezes comentam, a imprensa maciçamente investiu na culpa do casal. Quem não fica chocado com o fato de uma criança ter sido jogada barbaramente? Eu sou pai também. Agora, a lei assegura o contraditório e, por isso, sou muito chamado pelos advogados de acusação e de defesa. Nesse caso, quem me chamou foi a defesa. Tive que produzir o melhor de mim para auxiliar a defesa. Não tenho a autorização para mostrar, mas o contrato que eu assinei com o escritório do Rogério Levorin me dá total independência para mostrar qualquer achado médico-legal que ajude ou não a defesa. Por exemplo, teve um médico do Rio Grande do Sul que escreveu um artigo defendendo que a morte de Isabella foi acidental. Ele disse que a menina acordou à noite, não encontrou os pais e acabou caindo, mas eu não aceito essa tese e não me convenço. Se a defesa quisesse acatar a hipótese do acidental, é um problema da defesa, não meu. O meu problema era mostrar as falhas, os defeitos nas peças técnicas que poderiam auxiliar a defesa.

ÉPOCA – Um dos principais elementos favoráveis à condenação do casal era o pouco tempo para a ação de uma terceira pessoa. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Sanguinetti – Eu não estou defendendo o casal. A senhora não vai considerar crível o que vou falar agora, mas vou fazer uma ilação. Admitamos que o agressor estivesse lá. Se o pai desceu, a criança teria ficado sozinha e, se era uma pessoa com algum traço pedófilo, poderia ter tentado algum contato com a criança. A menina poderia ter acordado e ele, tentado se livrar dela o mais rápido possível. Ele poderia, então, sair do apartamento e encontrar abrigo em outro apartamento, um andar acima ou abaixo. São ilações. Cabe à polícia descartar tudo isso. Agora, o tempo é realmente um argumento muito forte e, claro, dificulta um entendimento de que tenha sido uma terceira pessoa. O grande problema que temos é o tempo. O hiato é de cinco minutos.

ÉPOCA – O senhor chegou a ler o depoimento do casal? Qual a sua análise sobre ele?
Sanguinetti – Até hoje, o casal não modificou nada em sua versão de sempre negar a autoria. No depoimento de outras pessoas, há quem cite que, no dia da morte de Isabella, Alexandre Nardoni teria citado a presença de outra pessoa, mas, no dele mesmo, não há nenhuma menção a isso. Encontro apenas a negativa de que eles tenham sido eles os autores.

ÉPOCA – Existe alguma incongruência entre o que Alexandre Nardoni descreve e o que Anna Carolina Jatobá descreve?
Sanguinetti – Eu não tenho poder de me pronunciar e de analisar, avaliar. No caso, me foi solicitada uma avaliação do cadáver, dos laudos, e não sobre a oitiva. Nessa parte é que entram o promotor, o juiz, os advogados. Não é de praxe o médico legista atuar na oitiva.

ÉPOCA – O que o senhor acha que vai acontecer com o caso daqui para frente?
Sanguinetti – Na minha visão, investiu-se maciçamente em propaganda, em mostrar o casal como autor e como pessoas dantescas. Mas, se o caso passar da primeira instância e chegar a um nível mais técnico, quando se verificar a nossa argumentação, muita coisa vai ser refeita. A denúncia como está não deve prevalecer porque está baseada em algo que não existiu. E os livros de direito mais comuns vão dizer: os laudos equívocos não têm valor probante. Têm que ser corrigidos e refeitos antes de terem valor para a imputação. Quando estive em São Paulo, eu disse: gostaria que colegas experientes, professores da USP, legistas que têm mais anos de trabalho que eu discutissem comigo e me dessem uma resposta sobre o caso. Mas ninguém apareceu. Porque eles sabem que a causa da cianose foi exatamente a embolia gordurosa, e que aquelas fraturas não foram feitas dentro do apartamento. Mas eles, educadamente, guardam o seu silêncio. Os peritos fizeram um trabalho descritivo bom, mas, talvez, por pressão da imprensa, tenham interpretado…

ÉPOCA – Se o casal sair da cadeia, o julgamento, que seria realizado no prazo obrigatório de até um ano, pode ser adiado.
Sanguinetti – Tirando o clamor público, o sentimento popular, não vejo, tecnicamente, uma razão para o casal estar preso. A prisão foi baseada numa esganadura que não existiu. Esse é o meu argumento. No meu entendimento, a prisão não está tecnicamente bem fundamentada. Aí teria que ver se fariam as correções necessárias, se fariam as investigações necessárias nos pontos, sobre as vulnerabilidades, sobre as pessoas que trabalharam naquela obra, sobre quem poderia ter a chave. Faria uma perícia completa naquela camisa com sangue que foi encontrada em outro apartamento e cujo sangue não era de Isabella nem de Alexandre. Eu gostaria que existisse uma investigação policial mais aprofundada das cercanias do caso. Minha crítica é à dinâmica, e não às pessoas. Meus cumprimentos aos peritos, que agiram com pressa, sob pressão.

ÉPOCA – O senhor chegou a conversar com a família do casal?
Sanguinetti – Sim. Conversei com o pai e com a mãe de Alexandre. Eles acreditam, claro, são pais, que realmente não foram Alexandre e Anna os autores da morte da menina. Eles têm expectativa de que surja um fato novo, que apareça uma possibilidade de uma autoria para que seja retirada a imputação. São pessoas de idade, até por isso temos respeito, e que estavam com muito sentimento. Respeito ambos por causa da dor da perda da neta, da dor de ter um filho preso e exposto ao Brasil inteiro como um bárbaro. Em nenhum momento eles deixaram de acreditar na inocência de Alexandre. Mas, veja bem, eles são pais. Eu não estou analisando. Se me perguntarem se o Alexandre é inocente, eu vou dizer não sei. Na ocasião certa, um júri vai dizer.

ÉPOCA – O senhor apresenta alguma versão alternativa plausível para a morte de Isabella?
Sanguinetti – Primeiro, eu queria um levantamento completo das pessoas que trabalhavam naquela construção para saber se havia algum tipo suspeito de pedofilia, alguém com antecedente. Ou até mesmo naquele prédio da procuradoria para investigar a rede de pedofilia ligada ao tenente que foi atender o caso. Ele não teve tempo de fazer nada, mas, no meu entendimento, houve uma tentativa de violação da menina. Aquelas lesões não resultaram, no meu parecer, da queda. Sou muito forte nessa argumentação. As lesões que estão descritas pelos legistas são muito fortes para serem explicadas pelo choque com uma folha de palmeira, sendo que a calça de Isabella estava intacta. Cabe uma investigação sobre isso mesmo a essa altura.

ÉPOCA – O senhor acha que é possível fazer esse trabalho passados nove meses do crime?
Sanguinetti – Não foi feita uma investigação de campo. Eu me sinto muito à vontade para dizer porque fui às cercanias da parte posterior e vi que algumas pessoas não foram inqueridas. Acho que nunca é tarde mas, é claro, cada minuto que se passa torna isso mais difícil. Mas, o que eu quero dizer é que, até hoje, não temos uma confissão de culpa de nenhum dos dois. Eles têm se mantido desde o fato. Mas, isso, para mim, não é relevante. Para mim, relevante é o fato de que eles estão detidos por uma imputação que não tem respaldo técnico.

ÉPOCA – Qual é a chance de as investigações sobre o caso Isabella serem reabertas?
Sanguinetti – A investigação vai ter que ser reaberta. Todos os pedidos de habeas corpus que foram julgados em instâncias superiores foram levados em cima de questões jurídicas porque as peças técnicas só poderão ser analisadas em níveis superiores depois de passarem em primeira instância. Eu acredito que, antes do julgamento, alguma coisa vai ser feita. As correções vão ser feitas, se não, eles vão se expor. Eu não admito que São Paulo, com o Largo São Francisco, o centro do saber jurídico do meu país, apresente essas peças técnicas num caso rumoroso como esse. Isso, mais cedo ou mais tarde, vai ser corrigido. Tenho certeza de que a investigação vai ser reaberta para corrigir esses pontos. Como um perito fala que houve esganadura e, depois, afirma que não é preciso ter sinais externos ou internos para haver esganadura? É como se alguém recebesse um tiro e não tivesse orifício de entrada ou de saída. Então não é um tiro.

ÉPOCA – O que aconteceria caso as investigações fossem reabertas?
Sanguinetti – Espero ter a oportunidade de fazer uma explanação técnica frente ao júri. A lei faculta a defesa de me convocar. No caso de dúvida, o direito brasileiro é pró-réu. E o processo está cheio de dúvidas. Condenar sem ter fundamentação suficiente é muito perigoso. Eu acredito que os senhores legistas vão corrigir o trabalho, anular o momento em que as fraturas foram produzidas dentro do apartamento, porque é isso é impossível. Vai desaparecer a agressão dentro do carro. E aquele casal monstruoso, que no primeiro momento ataca a menina dentro do carro, depois a ataca dentro do apartamento e depois a joga… Tenha paciência! Acredito que essa imagem foi divulgada maciçamente e que a defesa foi, de certa forma, cerceada. A defesa precisa de espaço. Quando isso acontecer, vai haver uma investigação plena, com resultados isentos, que vão permitir uma boa justiça. Quanto a se eles têm autoria ou não, não sou eu que vou definir.

Fonte:Época

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