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A cólera tende a assumir, no Brasil, o papel de doença de cidades e vilas

A cólera tende a assumir, no Brasil, o papel de doença de cidades e vilas, nas quais inexiste saneamento básico

Cólera

A cólera foi descrita, pela primeira vez, como entidade mórbida distinta das demais diarréias, na Índia, no século XVI. Permaneceu desconhecida no Ocidente até o século XIX, quando uma epidemia originária do subcontinente indiano atingiu a Europa, a África e a América do Sul. A partir do início do século XX, a cólera é aparentemente eliminada do hemisfério ocidental, desaparecendo mesmo em regiões onde as condições sanitárias eram precárias.70

Em 1961, tem início a sétima pandemia de cólera que prossegue até hoje. Dessa vez, o Vibrio choleræ, biotipo clássico, responsável pela pandemia anterior, é substituído pelo biotipo El Tor. Duas principais repercussões dessa substituição, do ponto de vista epidemiológico, são o fato de o biotipo El Tor determinar menor proporção de doentes entre os infectados e sua capacidade de permanecer no meio ambiente como um organismo de vida livre, o que torna pouco viável sua eliminação.71

Merece destaque a recente identificação, no subcontinente indiano, de nova cepa toxigênica do V. choleræ, o V. choleræ sorogrupo 0139. Esta cepa tem elevada patogenicidade e determina quadro diarréico grave. Caso essa nova bactéria venha substituir a cepa El Tor, na atual pandemia, haverá aumento significativo da importância da doença para a Saúde Pública, quer pelo aumento da letalidade, quer pela elevação do custo do tratamento hospitalar.72

Em 1991, 54 países em todo o mundo, 13 dos quais localizados na América Latina, notificaram à Organização Mundial de Saúde cerca de 600.000 casos e 20.000 óbitos causados pela cólera.73

A América Latina foi a última região a ser atingida pela sétima pandemia de cólera, que se iniciou no Peru em 1991. Nesse país, a epidemia foi explosiva com taxas de incidência chegando a 15 casos de cólera por 1.000 habitantes.74 Nos quinze meses seguintes à introdução da cólera na América do Sul, a Organização Pan-Americana da Saúde recebeu cerca de 460.000 notificações de casos da doença com 4.300 óbitos, de dezenove países.70 Essas cifras dão uma idéia da magnitude do problema da cólera na América Latina.

Os primeiros casos de cólera surgem no Brasil em abril de 1991, inicialmente na região amazônica, em área limítrofe ao Peru e Colômbia, disseminando-se, a seguir, principalmente para os estados do Norte e Nordeste do país.

A cólera, o problema de Saúde Pública mais recente introduzido no país, traz uma conotação de miséria e ausência de infra-estrutura urbana. Realmente, trata-se de doença que somente ocorre, sob a forma epidêmica, em áreas com precárias condições de vida.

A possibilidade de epidemias de grande porte que varreriam as metrópoles brasileiras foi muito comentada desde quando a doença surgiu no país (1991). Essa expectativa felizmente não se confirmou. A disseminação da cólera se deu, fundamentalmente, nas pequenas cidades do Norte e Nordeste e apenas em algumas capitais; entre essas, a mais atingida, a partir de 1993, foi Fortaleza (Tabelas 4 e 5). Tal fato sugere que as condições de saneamento das cidades brasileiras, ainda que não satisfatórias, estão melhores do que se suspeitava. De fato, a diminuição expressiva da morbimortalidade por diarréias, na última década, já evidenciava bem esse ponto.















Tudo sugere que a cólera tende a assumir, no Brasil, o papel de doença de cidades e vilas, nas quais inexiste saneamento básico. Aparentemente, a simples disponibilidade de água potável seria suficiente para evitar um número maior de casos.

Os bolsões de miséria existentes nos centros urbanos constituem, porém, ameaça constante de epidemias de maiores proporções.

Independentemente da magnitude das repercussões da doença sobre a morbimortalidade da população, a cólera certamente vem determinando efeitos desastrosos sobre atividades econômicas importantes, como o turismo e a produção de alimentos para exportação. No Peru, uma estimativa conservadora aponta em 500 milhões de dólares os prejuízos causados pela doença para a indústria pesqueira e para o turismo.75 Espera-se que esse fato possa sensibilizar autoridades governamentais eventualmente ainda não convencidas da necessidade de se dotar todo o país das condições mínimas de saneamento básico.




Informe Epidemiológico do Sus
versão impressa ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus v.8 n.3 Brasília set. 1999
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000300002

Eliseu Alves WaldmanI; Luiz Jacinto da SilvaII; Carlos Augusto MonteiroI

IFaculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo
IIFaculdade de Ciências Médicas/UNICAMP

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