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A morte de um museu



Agatângelo Vasconcelos * 
Em 1988 a Sociedade de Medicina de Alagoas (SMA) decidiu criar um espaço museológico especificamente destinado a guardar a memória médica alagoana. Para tanto foi encetada uma campanha entre os associados da entidade e, por extensão, em meio a toda a categoria médica de Alagoas, visando angariar peças que viessem a constituir o acervo do futuro museu. Assim, documentos em geral (inclusive fotos históricas) e instrumental de uso médico, foram doados generosamente. Constituiu-se, pois, a campanha, em um movimento vitorioso, a evidenciar a compreensão dos médicos quanto à importância do objetivo pretendido. Desta maneira, com a presença de representantes da Associação Médica Brasileira, cuja Diretoria Plena encontrava-se em Maceió, em junho daquele ano foi inaugurado em dependência da instituição pioneira dos esculápios de nosso Estado, o Museu de História da Medicina de Alagoas, o MUMED.

Com cerca de cento e trinta peças inicialmente tombadas, o museu foi crescendo face de doações outras, ao longo dos anos. Conceituar o que ali existe como sendo um museu no sentido moderno da palavra, certamente é descabido. Mais propriamente trata-se de um “lugar da memória”, como quer Pierre Nora. Hoje, embora devidamente inscrito no Cadastro Nacional de Museus, este espaço está, para figurarmos em linguagem médica, em estado pré-agônico: as peças metálicas sendo corroídas pela ferrugem, e os livros, as teses de doutoramento datadas do início do século passado, as fotos - os papéis em geral - sendo destruídos pelo ressecamento. Há peças a serem catalogadas e várias outras desordenadamente dispostas: eis o que resta de um empreendimento cultural!

Por outro lado, criado com a finalidade de resgatar a história da nossa arte médica, o Núcleo Alagoano de História da Medicina (que graças ao apoio do Conselho Regional de Medicina de Alagoas vem conseguindo editar o presente Boletim) está também direcionado para tentar a preservação, a revitalização e o crescimento do museu em questão. Tarefa árdua e até o momento sem maiores êxitos. Diga-se que além das visitas comuns - restritas devido a nenhuma divulgação sobre a existência do mesmo - o museu tem se prestado a freqüentes aulas do cursos de História da Medicina da UFAL e da UNCISAL. Claro, até mesmo porque as Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação preconiza para os cursos de Medicina “incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo valores a atitudes orientadas para a cidadania”. O que pode haver melhor do que o estudo e compreensão dos fatos históricos ligados a “ars curandi”, para se alcançar tal objetivo?

A Sociedade de Medicina, proprietária do museu, não tem recursos e parece também não ter apetência para revitalizá-lo e mantê-lo. Tentativas foram feitas junto à Secretaria de Cultura de Alagoas, à FAPEAL e a outras instituições, buscando a salvação do referido equipamento cultural. Um belo projeto museológico e arquitetônico, elaborado graças à benevolência de pessoas amigas (leia-se museóloga Leda Maria de Almeida e arquiteta Inês Amorim), foi apresentado a diversos órgãos culturais e a outras tantas entidades médicas. A FAPEAL chegou a iniciar um processo de financiamento, porém esbarrou na burocracia e na já mencionada possível escassez de recursos da instituição mantenedora, a SMA.

Desta maneira relata-se, melancolicamente, a história de um “lugar da memória”, de uma fonte aglutinadora de conhecimentos e de cultura, com vida provavelmente tão breve... Quando tão copiosamente propala-se a importância da cultura, não será isto apenas o conteúdo manifesto, enquanto que o latente seria mais ou menos assim:
Cultura? “Quando ouço alguém falar em cultura, puxo do meu revólver” (Hans Johst. Esta frase também é atribuída a Hermann Goring).

(*) É médico e ex-professor universitário.

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