"Quem mata o infiel não peca" : Quem é George Sanguinetti ?

Foto de:ALAN RODRIGUES

Primeiro a se levantar contra a versão da polícia para a morte de PC Farias e Suzana da Silva, o professor George Sanguinetti Fellows reforçou a fama de maluco que tem dentro do seu Estado. Loucura, no caso, não é patologia, mas ousadia de bater de frente com as autoridades que comandam o faroeste alagoano. Com o peito protegido por um colete à prova de balas e a segurança reforçada por sete homens armados com três revólveres, três carabinas e uma metralhadora, Sanguinetti deu entrevistas bombásticas como titular da cadeira de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas. "A posição do tiro em Suzana inviabiliza a tese de suicídio", afirmou. Ao ganhar notoriedade em todo o Brasil, o professor deixou em segundo plano o coronel da Polícia Militar e o psiquiatra, suas outras profissões. Seja no quartel, no hospício ou na academia, ele sempre protagonizou episódios ruidosos. "Ele é um psicopata", desferiu o secretário de Segurança de Alagoas, coronel José Azevedo do Amaral. "O conceito de loucura em Alagoas é muito elástico", ironiza o psiquiatra Sanguinetti, que também foi tido como "louco", quando denunciou um tour de 11 coronéis da PM pela Europa em 1994, pago com dinheiro público. Para lhe calar a boca não usaram camisa-de-força, mas uma prisão disciplinar de dez dias.

Sua "insanidade" já havia sido evocada num outro episódio no início dos anos 80, quando assumiu a direção do Manicômio Judiciário do Estado e mandou internar 43 subalternos que alegavam alterações psicológicas para não trabalhar. A simples expedição da guia de internação "curou" de imediato mais da metade dos "doentes". Pirou de vez para alguns, quando ordenou a prisão de médicos e enfermeiros que deixaram o plantão no Hospital da PM para assistir a um jogo do Brasil na última Copa do Mundo. Na vida pessoal, Sanguinetti também é pródigo em esquisitices. Acorda às 5h30, está sempre vestido de médico e se automedica um comprimido de Lexotan antes de dormir. "É para controlar a pressão", garante. Durante a semana, divide seu tempo entre a direção do Hospital da PM, a universidade e um consultório de psiquiatria.

Antes de revirar o túmulo de PC com novas versões do crime, Sanguinetti teve poucas relações com o clã dos Farias. Seu primeiro contato com PC foi na década de 70, quando comprou um Opala do então vendedor de carros Paulo César. Nessa época, chegou a ter uma namorada em comum com PC. "Durou pouco tempo, foi uma história sem importância", desconversa. Com o deputado Augusto Farias, manteve apenas contatos sociais, nas raras ocasiões em que participa da vida social de Maceió. Sua incursão na política em 1990 foi um fracasso. Não conseguiu se eleger deputado estadual pelo PMDB.

Como militar, é conhecido como "linha-dura". Embora batendo de frente com a Secretaria de Segurança, no episódio PC não houve nenhuma tentativa de calar o coronel Sanguinetti pela via disciplinar. "Ele tem competência técnica para falar e suas declarações são como professor e não como coronel", respaldou o comandante da PM de Alagoas, coronel João Evaristo dos Santos Filho. Apaixonado pela vida militar, o jovem Sanguinetti prestou concurso para a Marinha em 1970. "Cheguei a ser nomeado primeiro-tenente médico, mas não me adaptei à vida no Rio de Janeiro", explica. De volta a Maceió, começou a dar aulas, mas, com saudades dos quartéis, entrou para a PM em 1978. Do período, guardou fotos tiradas com personalidades dos governos militares, como o ex-presidente João Figueiredo e o ex-ministro da Justiça Armando Falcão. Sanguinetti também não esconde um passado de colaboração com os serviços de informação durante a ditadura. A identificação com os quartéis vem da época de estudante de Medicina em Pernambuco, nos anos 60. No movimento estudantil do Recife, posicionou-se - por incrível que possa parecer - à direita do seu contemporâneo e hoje vice-presidente da República, Marco Maciel, então estudante de Direito. Daquela época, Sanguinetti recorda-se de ter brigado com a maior parte do grêmio estudantil ao decidir homenagear o presidente Castello Branco, colocando seu nome na biblioteca da faculdade em pleno ano de 1969.

O controvertido Sanguinetti entrou no caso PC como convidado para ser descartado horas depois como inconveniente. A desfeita partiu do ex-aluno e hoje colega de cátedra na universidade, o legista Gerson Odilon Pereira. Uma das cutucadas foi na experiência prática de Sanguinetti, que não atua como legista há mais de dez anos. "Sou professor titular e por isso deixei a irritação do formol e as geladeiras do IML para meu auxiliar", desdenha Sanguinetti. Sem cursos de pós-graduação, Sanguinetti participa esporadicamente de congressos médicos. "Não gosto de viajar", afirma Sanguinetti, que passa férias numa casa de praia a 125 km de Maceió. O refúgio é cada vez menos procurado por motivos de insegurança. Prefere a residência em Maceió, localizada num bairro tranquilo e vigiada por uma guarda pessoal. Divorciado e pai de uma moça de 19 anos, que vive com a mãe, Sanguinetti tem entre seus objetos de estimação um sino centenário. "Serve para espantar os demônios", acredita. Sanguinetti professa-se católico, mas mistura Buda entre as imagens de Jesus, de padre Cícero e da Virgem Maria em sua sala de visitas. Para completar, é simpatizante do islamismo. "Quem mata o infiel não peca", diz, repetindo uma máxima dos fundamentalistas.

Fonte Isto é 1996
ELIANE TRINDADE, DE MACEIÓ

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