"Morrer na rua talvez seja melhor do que fenecer nos corredores daquela casa" (HGE-AL)

O jornal


Atendimento médico

"Morrer na rua talvez seja melhor do que
fenecer nos corredores daquela casa"

AIberto Rosland Lanverly
Professor da Ufal e membro da Academia Maceioense de Letras

Desde cedo, entendi que o ser humano deveria dominar outro idioma,alémde sua pátria língua.Foi imbuído nesta crença que me aproximei, tanto dos conceitos oferecidos pela Cultura Francesa, quanto dos ensinamentos:difundidos pelo CCBEU- Centro Cultural Brasil Estados Unidos.

Vivíamos o ano de 1973.Recordo quando ancorou, no Porto de Maceió, o Navio Hospital"SS Hope", cujamissão era oferecer tratamento de emergência à população carente de cidades do terceiro mundo com o que de mais moderno, então, existia naquela área específica.A imprensa local divulgou que seriam selecionados profissionais com domínio no inglês, para funcionarem como "interpretes" entre os acadêmicos americanos, brasileiros e pacientes que ali haveriam de conviver. Fui selecionado para uma das vagas e, mesmo antes de ingressar na Faculdade de Engenharia da Ufal, vivenciei, por quase um ano, experiência inesquecível.

Equipado com salas de cirurgias médicas e odontológicas, "raios x" e farmácias, ambulatórios e salas de aula, trabalhar no "Esperança/Hope", foi, para mim, um desafio que enfrentei cotidianamente quer seja "traduzindo" diálogos durante cirurgias do palato, de cabeça, de dentes.ou, mesmo, participando de consultas ou acompanhamento de pacientes nos ambulatónos.

Com menos de dezoito anos de idade, acostumei-me a ver o "sangue jorrar" como uma forma de cura. Aprendi que os "doentes" ali atendidos mereciam respeito, não somente dos profissionais, mas da instituição que os acolhia.

Dias atrás, adentrei um dos hospitais públicos de Maceió e, para minha surpresa,para chegar ao destino,tive que "passar por cima"de seis pacientes,deitados em lençóis estendidos no chão. Parei,voltei no tempo e me vi, quase criança, a bordo do Navio Hospital Hope. Em comum, somente a "brava luta" dos profissionais médicos que "corriam" ansiando por salvar vidas.

Daquela época, lembro-me bem dos brasieiros Ulpio Miranda e Eduardo Jorge Silva e do americano William Walsh, o poderoso chefão daquela missão, irmanados no mesmo ideal.

Passados mais de trinta e cinco anos, o atendimento de emergência, em Alagoas, parece haver sucumbido ao descalabro do esquecimento. São ambientes, onde somente a boa vontade não é suficiente para salvar vítimas de facadas e tiros, que se liquidificam com banalidades do cotidiano, gerando o caos.

O Navio Hope era branco, como a pureza da saúde. Nas sextas-feiras, sempre às dezoito horas, em seu restaurante, ocorria o tão esperado "happy hour" onde era servida a legitima "budweiser em lata", então novidade por aqui. Em nossos hospitais socorristas, todo dia é dia de tristeza, de abandono, de falta de respeito, apesar da explicita boa vontade dos profissionais da medicina, ali lotados.

Cumprido o objetivo de minha visita, deixei aquelas dependências cujas paredes, em alguns pontos, trazem manchas de sangue humano, certo de que, nos dias de hoje, "morrer na rua" talvez sejamelhor do que fenecer nos corredores daquela casa, pois, na primeira hipótese, os curiosos transeuntes param a fim de verificar o que está acontecendo,oferecendo, assim, companhia ao enfermo em seu ultimo suspiro.

Mas a vida continua. Resta a expectativa de que melhores dias se apresentem para a medicina emergencial em nossa capital.


Texto publicado : O Jornal

Leia outros artigos :

Postar um comentário

0 Comentários
* Por favor, não faça spam aqui. Todos os comentários são revisados ​​pelo administrador.